Uma longa história de amor e compromisso

Pastoral da Criança completa 25 anos de garantia do desenvolvimento saudável para as crianças

Folha de Londrina | 12 de setembro de 2008

"Se a Igreja aceitar esse projeto, vamos salvar a vida de milhões de crianças", disse a médica pediatra e sanitarista Zilda Arns Neumann, 74 anos, aos seus cinco filhos na noite em que estruturou o projeto de atuação da Pastoral da Criança. A proposta da dra. Zilda, criada em 1983 a pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), era organizar as comunidades em pequenos grupos e promover a multiplicação de conhecimento a partir da capacitação de líderes comunitários e da educação das mães em cinco áreas de trabalho: pré-natal, aleitamento materno, soro caseiro, vigilância nutricional (acompanhamento do peso e da alimentação) e vacinação. Religiosa e devota de São José, a médica se inspirou no milagre da multiplicação dos pães e peixes.

A proposta refletiu uma preocupação que ela tinha desde o começo de sua carreira, quando trabalhava no Hospital de Crianças Cezar Pernetta e ocupou o cargo de diretora de Saúde Materno-Infantil da Secretaria de Estado de Saúde do Paraná. "Eu sempre me questionava se iria exercer a medicina para curar doenças que são preveníveis", lembra. Com a pastoral, dra. Zilda começou o que ela chama de "uma longa história de amor" e também realizou um sonho antigo: ser missionária e atender crianças.

Junto com Dom Geraldo Majela Agnello, Cardeal Arcebispo Primaz de São Salvador da Bahia, escolheu o município de Florestópolis (73 km ao norte de Londrina) para realizar o trabalho piloto. A indicação foi da irmã Eugênia Pietta, que ressaltou a importância do projeto na cidade devido ao grande número de "covas novas de crianças no cemitério". Toda a população se comprometeu a participar da experiência, apresentada na missa de domingo e com direito a igreja lotada. Depois de Florestópolis, a metodologia de trabalho se espalhou para todo o Brasil e hoje, além de todos os estados brasileiros, é realizada em 17 países.

Dra. Zilda ressalta que o trabalho da pastoral busca possibilitar o desenvolvimento completo para as crianças e gestantes de baixa renda. Além do acompanhamento do peso, vacinação e orientações sobre como prevenir doenças e a importância da alimentação completa, a pastoral também oferece educação para jovens e adultos, cursos de alfabetização e capacitação, brincadeiras para as crianças, criação de hortas comunitárias, e o controle social, ou seja, o acompanhamento das políticas públicas direcionadas às crianças. "Queremos trabalhar a integralidade", afirma. Por isso, a médica explica que, no combate à desnutrição, a multimistura, composta por farelos e sementes, é um complemento à alimentação que deve ser completa e rica em nutrientes.


A luta de dona Sibila
Na comunidade da Vila Democracia, em Almirante Tamandaré (Região Metropolitana de Curitiba), Sibila Schiemelfenig, 65 anos, tenta garantir o desenvolvimento saudável de 30 crianças. Ela é voluntária da Pastoral da Criança e há 10 anos coordena os trabalhos na comunidade.

Uma vez por mês, dona Sibila enfeita sua casa com bexigas coloridas e aguarda a chegada das crianças para o encontro chamado "Celebração da Vida". Com uma balança manual, ela, sua filha Jovane, 37, e mais uma auxiliar de apoio pesam cada uma das crianças de 0 a 6 anos. Depois, os pequenos e suas mães recebem uma refeição nutritiva e participam de um momento de evangelização.

Ela também faz visitas domiciliares para dar orientações. Encontra famílias com muitos filhos, que dependem da coleta de materiais recicláveis, e crianças que convivem com o lixo. As ruas não são asfaltadas, algumas casas não possuem saneamento básico e outras correm risco de desabamento. Sem auto-estima, muitas mães não se sentem estimuladas a cuidar da casa e dos filhos. Além do acompanhamento, as voluntárias buscam auxílio nos casos mais graves.

Dona Sibila também é um exemplo de que a causa é muito mais importante do que um segmento religioso. Mesmo sendo evangélica, se envolveu na luta por uma causa promovida pela Igreja Católica. "Tem muita criança que precisa, que passa fome, frio. Alguém tinha que fazer alguma coisa", diz. A voluntária Jovane acredita que não é necessário disponibilizar bens materiais. "Como não tinha o que doar, me doei. Antes achava que não tinha tempo, mas o tempo é a gente quem faz", conta.


Matérias sobre os 25 anos da Pastoral feita pela jornalista Marta Ortega, da redação de Londrina :

Um exemplo de sobrevivência
Uma mistura simples e milagrosa que ajudou e até hoje vem salvando vidas. A multimistura salvou Tiago da Silva, hoje com 21 anos. Subnutrido, Tiago nasceu com apenas 900 gramas em função da falta de cuidado durante a gestação da mãe, a dona de casa Maria Aparecida da Silva. Correndo risco de morte, o bebê ficou internado durante 28 dias em um hospital de Porecatu (85 km ao norte de Londrina), até que a Pastoral da Criança assumiu a responsabilidade pelos cuidados da criança.

Depois, Tiago foi transferido para o Centro Nutricional da Pastoral, em Florestópolis (73 km ao Norte de Londrina). Foram oito meses de expectativa para Maria Aparecida, que só via o filho nos finais de semana. A partir dos seis meses, o bebê teve a multimistura adicionada ao leite e à comida e aos poucos recuperou a saúde. "Se não fosse a ajuda de Deus e da pastoral, meu filho não teria sobrevivido", conta a mãe.

Tiago concluiu o colegial e trabalha no setor de caldeira da Usina de Porecatu. Casado e pai de uma menina de um ano e três meses, ele hoje faz questão de dar a multimistura para a filha, como complemento na alimentação. "Sei o quanto foi importante para mim." Maria Aparecida, depois de ter o filho recuperado, começou a ajudar no trabalho da Pastoral.


Trabalho incansável onde tudo começou
Dedicação e muito amor. É desta forma que as líderes dão continuidade ao trabalho da pastoral em Florestópolis, onde tudo começou. Em 1983, o índice de mortalidade na cidade de 14 mil habitantes era de 127 mortes a cada mil crianças por ano. "Era assustador e alguma coisa precisava ser feita", afirma uma das primeiras líderes da organização no município, a professora Neusa Souza Carnelossi.

O primeiro trabalho foi organizar hortas para complementar a alimentação de gestantes e das crianças. Delas sairiam também os ingredientes necessários para a milagrosa mistura, que mudaria a realidade das crianças. "Mais de 600 hortas se espalharam pela cidade, além da comunitária. Era lindo de ver."

A preparação da multimistura é feita na cozinha do Centro Comunitário Dra. Maria Zufetti, onde as voluntárias se reúnem três ou quatro vezes no ano para preparar a receita que salva vidas, feita à base de farelo de arroz e de trigo.

A comemoração dos 25 anos da pastoral da Criança ocorre na paróquia São João Batista amanhã e contará com a presença de Zilda Arns, Vera Lúcia Altoé e demais coordenadores. A programação começa às 8 horas e, com diversas atividades, e encerra às 16 horas, com uma missa.

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