Mulher no volante...

Motorista, taxista, motociclista, caminhoneira, pilota. Mulheres provam que estão longe de ser um perigo no trânsito

Folha de Londrina | 16 de setembro de 2008

É unanimidade. Todos os entrevistados para a produção desta matéria apresentaram o adjetivo "cuidadosa" como o que melhor representa a participação da mulher no trânsito. Elas, ainda muito poucas profissionais em relação aos homens, mostram que têm habilidade e paixão pelo que fazem.

O grande preconceito que sofreram no começo não foi suficiente para que elas desistissem. E o efeito das críticas foi contrário. Com muito esforço, seriedade e uma apresentação impecável, elas conseguiram provar que são boas no que fazem e têm a vantagem de tratar com carinho os que estão por perto.

Até hoje, muitas delas ainda escutam comentários e piadas sobre suas profissões. Com a motorista de ônibus Kellen Cristine Rodrigues, 28 anos, não é diferente. Quando embarcam no veículo, muitos passageiros se assustam ao se deparar com uma mulher jovem e que agora está grávida de quatro meses. "Alguns dizem que não têm seguro de vida, mas muitos também me elogiam", conta. Desde os 23 anos ela trabalha no sistema de transporte coletivo de Curitiba e foi a primeira mulher a trabalhar na empresa como motorista.

Diariamente ela transporta passageiros do bairro Fazendinha ao centro da cidade em um ônibus articulado (com dois eixos) e afirma não ter nenhuma dificuldade no seu trabalho. "Não é difícil, depois que pega o jeito fica fácil. Me considero melhor motorista no ônibus do que no meu carro particular", diz. Para Kellen, a diferença entre ela e os seus colegas homens é a maneira como pensa nos passageiros. "Eu evito dar freadas bruscas. Mas não sou melhor que eles, sou igual, só sou mais cuidadosa e sempre tento fazer tudo certinho para não dar motivo que falem mal do meu trabalho."

A motogirl Silvana Aparecida da Silva, 39, também se defende dos comentários maldosos de colegas de trabalho fazendo tudo da maneira mais correta possível. Ela, motociclista desde os 18 anos, já conhece todas as manhas de andar sobre duas rodas pela cidade. "Eu me preparei muito para ser motogirl e adoro pilotar. É mais rápido, prático e econômico. Dá uma sensação de liberdade, não tem o que te segure. Não consigo viver sem a minha moto, está no meu sangue", diz.

Silvana conta que na maioria dos casos o preconceito vem dos motociclistas mais jovens, que testam as pilotas mulheres em cima das motos. "Eles tentam ver se a gente não é ‘manca’, aquela pessoa que não sabe pilotar direito, mas não sou nenhuma menina, já tenho habilidade e ando completamente na defensiva". Mas não são apenas casos como este. A motogirl é muito solicitada para fazer entregas por empresas que reconhecem o seu trabalho. "Não quero competir com ninguém. Só quero exercer o meu direito de ir e vir como uma pessoa normal."

Assim como Silvana, que tem apenas arranhões pelo corpo, resultados de acidentes em que se envolveu por falta de atenção dos motoristas de carro, a taxista Dóris Cordeiro, 55, se orgulha de ter se envolvido em apenas um acidente em 14 anos de trabalho. "Meus colegas ficam indignados, mas há muitos anos que eu não sei o que é bater carro. De lá pra cá só tive dois raspões e algum farol para trocar", explica. Quando começou, aos 41 anos, Doris já era a motorista da família. O marido era taxista e ela cuidava dos quatro filhos. Até que... "Cansei de ficar em casa. Cansei de fazer o serviço de casa. A vida era muito vazia, mas com a minha idade não seria fácil voltar pro mercado de trabalho". Depois de muita procura, encontrou a solução na profissão do próprio marido. "No começo fui mal recebida. Muitos colegas viravam a cara para mim, mas deu tão certo que não consigo mais me ver fora de um táxi", afirma alegre a primeira mulher da empresa de rádio-taxi onde trabalha.

Muitas vezes requisitada pelos passageiros na rádio-taxi, Dóris conta que a principal dificuldade que encontra é comum a qualquer motorista: a pouca fluidez do trânsito. Em especial porque está acostumada a transportar passageiros em várias situações de emergência. "Os motoristas não cooperam nunca com o taxista. Só dão preferência depois que percebem que está acontecendo, quando se dão conta de que tem alguém machucado no taxi."

E para aqueles que pensam que nas estradas tudo fica mais tranquilo, a caminhoneira Amíria Regina Motim Strapasson, 42, afirma que o que prevalece é o espanto entre os caminhoneiros. "Eles não falam nada, mas sempre ficam olhando espantados", diz a motorista que sempre viaja para o Rio de Janeiro e São Paulo na companhia do marido. Vinda de uma família de caminhoneiros, Regina aprendeu a dirigir aos 11 anos de idade e como profissional começou aos 20. Com 21 anos de estrada, ela afirma que não sente dificuldade nenhuma com seu trabalho. "Acho que é porque eu gosto, mas não acho nem um pouco difícil", diz.

Fora das ruas, Natacha Giacomasse, 23 anos, mostra que a mulher pode voar muito mais alto. Ela cursou faculdade de Ciências Aeronáutica - Piloto Comercial e agora cumpre as 150 horas obrigatórias de vôo. Diferente de como no trânsito, a futura pilota afirma que não sofre nenhum preconceito por ser mulher. "As dificuldades que temos são as mesmas entre homens e mulheres. E ainda acho que temos mais jeito, pois a profissão precisa de sensibilidade, eles são mais bruscos".

No lugar do preconceito, Natacha se depara com as brincadeiras, que leva na esportiva. "Eles dizem que eu deveria ser comissária de bordo e estou roubando o emprego deles", conta.


... cuidado constante!
Com contato diário com o trânsito, as motoristas dizem que em muitos casos o excesso de cuidado das mulheres quando estão diante de um volante é o que dá a elas a fama de más motoristas. E a opinião delas é confirmada pelo especialista e consultor em trânsito, Celso Alves Mariano.''Dizer que as mulheres não dirigem bem é uma maldade'', afirma. De acordo com ele, a prova está na quantidade e a gravidade dos acidentes provocados por mulheres, que são bem menores dos quais os homens estão envolvidos. ''O que acontece é que elas não são muito boas em relação à fluidez do trânsito, às vezes tendem a atrapalhar. Elas se expõem menos ao risco, pensam mais na segurança e por isso são melhores condutoras'', explica.

Além disso, as mulheres são mais pacientes e tranquilas na hora de dirigir. ''A mulher é mais cautelosa, coopera mais com o trânsito e por isso não se envolve tanto em acidente'', opina a taxista Dóris Cordeiro. ''Existe por parte das mulheres a preocupação com a vida dos outros, mesmo com pressa apresenta postura mais calma e com mais respeito'', complementa o assessor militar do Detran-PR, capitão Alexandre Bruel Stange.

Mesmo assim, a motogirl Silvana Aparecida da Silva aponta um pequeno defeito nas motoristas. ''Elas têm a mania de achar que os homens devem ser cavalheiros com elas no trânsito, que elas têm prioridade. Isso é muito bom, mas não no trânsito'', diz. O especialista também reclama da falta de interesse de muitas mulheres em aprender sobre a manutenção dos veículos. ''Não saber trocar pneu e óleo, por exemplo, pode ser perigoso. Elas não têm disposição, mas têm muita capacidade em aprender.''

A experiente motorista de ônibus Kellen Cristine Rodrigues dá uma dica de como se sair ainda melhor pelas ruas. ''Tem que perder o medo, conhecer o veículo e ter controle dele.''


Importantes fora das pistas
O especialista e consultor do Portal do Trânsito, Celso Alves Mariano, destaca que a participação feminina no trânsito, ainda em pequena quantidade, é decisiva fora dos veículos. ''Nos outros papéis que a mulher ocupa, ela sempre acaba participando no trânsito, não só em veículos automotores. Ela participa ao levar os filhos na escola e são elas que ensinam as crianças a atravessarem a rua, que influencia para o resto da vida'', diz. Mariano ressalta também a participação das mulheres nos Centros de Formação de Condutores (CFC) e como agentes da Polícia Rodoviária. ''Elas desempenham muito bem o papel de estarem na rua e de formação''.


Boas e más lembranças
As entrevistadas contam situações que mais marcaram suas vidas profissionais:

Uma senhora estava no ponto de ônibus e entrou atrás de outra passageira. Quando ela me viu disse, ''Mulher e loira dirigindo... Vou descer, você é muito novinha, eu não vou com você''.
Kellen Cristine Rodrigues, motorista de ônibus

''Os espaços para estacionamento de motos são muito estreitos e têm muitas motos. Um dia, quando cheguei para estacionar, vários motoqueiros vieram correndo. Eles arrumaram o local para mim, me ajudar a estacionar. Foi muito bacana porque é muito difícil de isso acontecer''.
Silvana Aparecida da Silva, motogirl

''Me lembro bem de duas situações. Um passageiro abriu a porta do táxi, viu que eu era mulher e não disse nada, só fechou a porta e foi embora. Em outra vez recebi um agradecimento na central de um passageiro que tive. Ele estava com pressa e eu consegui fazer com que ele não se atrasasse. Ele ligou na central e fez o agradecimento para o presidente''.
Dóris Cordeiro, taxista

''Sempre participo da Gincana do Caminhoneiro. No ano passado fiquei em quarto lugar, entre 600 homens. Fiz o percurso em 18 segundos. Imagina, mais de 600 homens e uma mulher entre eles fica em quarto lugar''.
Amiria Regina Motim Strapasson, caminhoneira

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