Alta-costura a serviço da ressocialização no Paraná

Iniciativa inédita no Estado capacita detentas da Penitenciária Feminina do Paraná

Folha de Londrina | 25 de março de 2009

Pelas próprias mãos, presas da Penitenciária Feminina do Paraná costuram um novo laço de esperança para suas vidas. Participantes do projeto "Costurando a Liberdade", elas têm acesso a novas oportunidades de ressocialização por meio da alta-costura. Christian Dior, Giorgio Armani e Valentino que se cuidem.

Do trabalho no setor de costura industrial da penitenciária, 12 detentas passaram para o curso ministrado por profissionais da grife Gianni Cocchieri. O projeto, uma parceria entre o Departamento Penitenciário do Paraná, a Secretaria de Estado da Justiça, o Provopar e a grife, levou, junto com os conceitos de qualidade, exclusividade e bom gosto, uma nova perspectiva para a volta à sociedade.

A iniciativa é inédita. Nenhuma penitenciária paranaense oferece prática em alta-costura aos detentos. O contato com tesouras e agulhas normalmente ocorre apenas na linha industrial, em que os integrantes não têm a visão completa do que fazem e não se envolvem com a produção. Os tecidos utilizados no projetos foram apreendidos pela Receita Federal e doados à Provopar.

Distante da vida das detentas, a alta-costura tornou-se em poucos meses uma paixão. Desde junho do ano passado, os sábados foram dedicados à prática de drapeado, barras, elaboração de zíper invisível e conhecimento de diversos tipos de tecidos. Em poucos meses foram produzidos 45 looks, o que surpreendeu os profissionais do projeto.

O mercado paranaense (e até mesmo o nacional) da alta-costura conta com poucos profissionais qualificados. São raros os cursos na área que oferecem a experiência adquirida pelas mulheres da penitenciária. Esse é mais um fator que causa grande expectativa às participantes do projeto, uma vez que a proposta é dar continuidade à formação e contratá-las na grife ou auxiliá-las na criação de novos ateliês em suas cidades de origem. "Damos muita motivação. Elas sentem medo do preconceito, mas digo que elas têm qualificação, que é fundamental para lutar contra isso", afirma a empresária de moda Vania Cocchieri, responsável pela capacitação.

Em 25 anos de atuação na área, Vania conta que se envolveu emocionalmente com a iniciativa. Para ela, é gratificante trabalhar em um projeto que "mexe com vidas, sonhos e mudanças de comportamento". "Quando alia o trabalho a um projeto social, tem um retorno muito maior. Muitos empresários deveriam ver como contribuir com a sociedade, pois ganha aprendizado e mão-de-obra qualificada", sugere.


‘Nunca imaginei trabalhar com isso’
Costureira desde os 15 anos de idade, Maria (os nomes das detentas são fictícios) teve seu primeiro contato com a alta-costura aos 62, na Penitenciária Feminina do Paraná. Desde que foi encaminhada ao local, há três anos, não deixou as agulhas de lado, ao trabalhar no setor de costura.

Para ela, a diferença entre a costura industrial e a alta-costura é "como a água e o vinho", pois envolve toda a maneira de manusear e trabalhar com os tecidos, o que deve ser feito com cuidado. Feliz com a participação no curso, Maria confessa que não imaginava ter um dia essa oportunidade. "Sempre admirei a alta-costura, mas nunca imaginei trabalhar com isso. Dificilmente encontraria esse curso em outro lugar", conta.

Orgulhosa, a costureira mostra suas produções que, mesmo inacabadas, chamam a atenção dos professores modelistas e colegas de curso. Ela conta que o que a envolve na alta-costura é o processo de produção. "As idéias vão surgindo, tem que usar a imaginação", explica. Para o professor modelista Edson Ivam Kraus, o resultado do trabalho de Maria foi surpreendente. "Não imaginava um resultado tão bom em tão pouco tempo. É muito gratificante", diz.
Aos 24 anos, Manoela começou a costurar depois de chegar à penitenciária. A partir do curso, encontrou uma opção para a nova vida quando voltar à sua cidade, em São Paulo. "A alta-costura tem mais beleza, mais arte", afirma.

Ressocialização
A diretora da penitenciária, Valderez Camargo da Silva, acredita que o curso está cumprindo seu papel de ressocializador durante o cumprimento das penas das detentas. Para ela, as participantes do projeto terão grandes oportunidades quando voltarem à sociedade. "O curso é especial porque a gente vê o crescimento da presa. Assim, ela vai mostrar que é capaz, que cumpriu a sua pena e que tem valor", diz.

"É a construção de uma nova identidade, uma oportunidade de transformar as coisas. Elas estão habilitadas para procurarem um outro caminho e fazerem uma outra história de vida", complementa a representante do Provopar, Vera Lúcia Silan Santos.

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