Quando os pais ‘saem do armário’

Prestando orientação, grupo de apoio a familiares de homossexuais reúne pessoas de todo Brasil

Folha de Londrina | 25 de novembro de 2008

"Mãe, preciso falar uma coisa pra você." Foi assim que, há três anos, o filho de Raquel Gomes, 53 anos, a chamou para conversar. Quando atendido por sua mãe, o adolescente foi direto ao assunto. "Sou gay." A partir da revelação de Marcus Gasparini, na época com 16 anos, a vida de Raquel mudou completamente.

A primeira reação de Raquel foi abraçar o filho e assegurá-lo de que o amava de qualquer jeito, mas, assim como a maioria das mães que recebe a notícia de que o filho é homossexual, ela passou por várias fases até aceitar a orientação sexual do rapaz. "Eu me choquei, chorei muito, a gente se assusta", lembra. "Primeiro, a gente acha que não é verdade, aí manda o filho para um psicólogo. Depois vem a vergonha e a culpa", conta a mãe, que nunca havia percebido algum fator que a fizesse desconfiar da homossexualidade de Marcus.

Passado o susto inicial da notícia, Raquel começou a fazer pesquisas sobre o assunto. Em uma delas, conheceu o Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), que reúne pessoas de todo o Brasil para a troca de experiências. "Queria falar com outras mães, mas não encontrava e também tinha vergonha. Ajudou muito", lembra. O período de "recuperação" foi rápido e logo ela decidiu acompanhar o filho em sua nova vida.

Foi aí que Raquel virou uma verdadeira baladeira. "Ele queria sair, já tinha um namorado e eu fui ver. Lá eles podem ser o que são", diz. Além de acompanhar o filho nas saídas noturnas e até mesmo frequentar as festas quando ele não pode ir, Raquel virou a produtora do filho, que anima eventos para o público gay como DJ.

O contato constante com os outros jovens também a transformou na "mãezona" da turma, pois é a única mãe que acompanha o filho em festas. "Esses dias eu encontrei uma outra mãe em uma festa e fiquei super feliz", conta. Ela ainda acredita que a proximidade com os meninos é fruto de uma relação de respeito, em que ela também dá orientações a seus amigos. "Falo tudo do coração".

O fato de uma mãe acompanhar o filho na balada chamou a atenção dos editores da Revista Lado A, direcionada para o público homossexual. De entrevistada, Raquel passou para colunista da publicação, em que escreve na seção 'Coisas de Mãe'. Os temas de seus textos são escolhidos a partir das experiências que presencia durante as festas e do contato com os jovens.

Preconceito
Até a conversa com o filho, Raquel não percebeu nenhum sinal de que Marcus era homossexual. Ela afirma que ele já sofria preconceito desde o início do ensino fundamental por ser o primeiro aluno da turma, ter letra bonita, não gostar de futebol e ter predominantemente companhias femininas, o que para ela não significam nada.

Problemas com o preconceito eles enfrentam até hoje, porém, a felicidade do filho e a ótima relação entre eles são mais fortes do que a discriminação. "Não vejo mais meu filho não sendo homossexual. Sou muito feliz depois que entrei no novo mundo. Não mudaria de jeito nenhum".


Culpas, dúvidas e aceitação
A descoberta ou a desconfiança de que um filho é homossexual nem sempre são encaradas tranquilamente pelos pais. Muitos se culpam, se sentem responsáveis pela orientação sexual do filho, se perguntam onde erraram ou então não querem aceitar o fato.

Para evitar que a expressão "quando o filho sai do armário, a mãe entra" -muito comum entre o público- se concretize, o Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), que hoje reúne aproximadamente 200 mães e pais de homossexuais de todo o Brasil, discute as experiências de aceitação e dificuldades das famílias em encontros presenciais e virtuais. "Ninguém é educado para ter um filho homossexual", afirma a mãe facilitadora do GPH em Curitiba, Marise Felix.

O GPH foi fundado há 11 anos, em São Paulo. Na capital paranaense conta com a participação de oito participantes, com predominância das mães nos encontros. "É um grupo de ajuda mútua, quando conversa ameniza, há crescimento. A gente discute, reflete e sempre há crescimento. Depois que entramos, nos tornamos pessoas melhores, a gente revê os conceitos", explica Marise. As conversas são sigilosas, exclusivas a pais e mães e partem do pressuposto de que cada um tem seu tempo.

SERVIÇO
- Grupo de Pais de Homossexuais (GPH) - http://www.gph.org.br/ Curitiba (41) 307903902 - Marise Felix e São Paulo (11) 3031-2106 - Edith Modesto


Amor e apoio da família são fundamentais
Assim como Raquel Gomes, Marise Felix garantiu o apoio necessário a sua filha homossexual oferecendo amor a ela. Enquanto os pais ficam preocupados em reverter a homossexualidade dos jovens ou com o preconceito que irão sofrer, os filhos ficam sem a principal contribuição que a família pode dar.

A ausência desse respaldo é o que abre a porta para o preconceito. "Como se vai respeitar quem a família rejeita?", questiona Marise. A mãe facilitadora do GPH na Capital tenta passar aos outros integrantes do grupo que o apoio da família é fundamental para o filho ou filha homossexual. "O pai e a mãe têm que ouvir seu filho, pois ninguém escolhe ser homossexual e nenhum filho vai ser (homossexual) para agredir os pais. O filho é o mesmo filho, não é o que você esperava, mas continua sendo seu filho", orienta.

Professora e mãe de três filhos, Marise percebeu que a caçula era muito triste na adolescência, mas desconhecia a razão. Há quatro anos, quando a jovem estava com 16 anos, um comentário da irmã mais velha indicou uma possível causa para o desânimo da menina. "Dizem que mãe sempre sabe, mas eu não sabia", lembra.

Em uma conversa, Marise explicou à jovem que sua principal preocupação era com o sofrimento da filha e não com sua homossexualidade. Ela conta que não teve problemas em aceitar a orientação sexual da menina, mas quis entender sobre este novo momento. A partir daí começou a estudar o assunto e, participando das reuniões do GPH em São Paulo, articulou reuniões em Curitiba.

Um nova companheira
Diferente de muitos amigos seus, Marcus recebeu o apoio de Raquel desde o começo. Ele, que antes achava que a mãe iria o expulsar de casa quando descobrisse que era homossexual, ganhou uma companheira. "Muita coisa mudou, não precisava esconder quem eu era, isso não me fazia bem", conta.

O jovem afirma que o relacionamento entre os dois melhorou muito e que o amor que recebe de sua família é fundamental. "Estou super satisfeito com a maneira que eu estou", afirma.

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