Benditos entre as mulheres

Homens se aventuram em atividades realizadas predominantemente por mulheres

Folha de Londrina | 4 de dezembro de 2008

Toda mulher sabe - e espera - que na atividade de manicure é necessário muito cuidado e delicadeza no trato com as mãos. A manipulação do alicate, a perfeição para lixar as unhas e a prática para passar o esmalte são fundamentais para ter como resultado final unhas bem feitas. Nem sempre encontramos esse conjunto de fatores em profissionais do sexo feminino. O que esperar, então, de homens que contrariam o senso comum de que rapazes são insensíveis e pouco delicados?

O manicuro Adauto Passos, 24 anos, é um exemplo de profissional que chama a atenção e desperta a curiosidade de muitas clientes que o observam chegando com o seu carrinho. "Elas perguntam: ‘você?"’, conta. Único homem que faz as unhas dos pés e das mãos entre 20 manicures de um salão de Curitiba, ele garante que investe na qualidade do serviço.

Quando saiu de Wenceslau Braz (117 km ao sul de Jacarezinho), há dois meses, deixou uma clientela revoltada. "Recebo ligações até hoje. Elas me xingam", brinca. Foi na cidade natal que, com 16 anos, começou a cuidar das unhas de suas amigas. Depois de algumas tentativas frustradas em outras profissões como cobrador de ônibus e atendente de uma vídeo locadora - mas, sem abandonar os alicates e esmaltes -, aos 18 anos, decidiu que iria viver como manicuro. "Não conseguia gostar de outra coisa", lembra.

Do salão, Adauto passou para o atendimento em domicílio e conquistou mais de 50 clientes. Em Curitiba, conseguiu sua vaga no salão fazendo a unha de uma manicure que atua na profissão há mais de 30 anos - informação que ele só soube depois de aprovado. Hoje, atende em média dez clientes por dia, cinco dias por semana, e demora em torno de 40 minutos com cada atendimento, quase o dobro do tempo ocupado pelas demais profissionais. "Eu me preocupo com a qualidade, não com a quantidade, e está dando resultado", afirma.

Mesmo com o espanto de algumas clientes de primeira viagem, o manicuro assegura que nunca sofreu nenhuma reação preconceituosa. Ele ainda dá a receita de como fazer uma boa unha. "É preciso ter a mão firme e ao mesmo tempo leve", pondera.

Alguns anos antes de se tornar o Primeiro Bailarino do Teatro Guaíra, José Wanderley Lopes, 42 anos, conhecido apenas como Wanderley Lopes, escondeu por mais de dois anos a profissão de bailarino. Os companheiros que moravam com ele na Casa do Pequeno Jornaleiro - uma espécie de orfanato que funcionou na Capital por mais de 50 anos, até 1998 - só descobriram a real atividade que o jovem, então, com 18 anos, desempenhava no teatro, quando a equipe de dança foi destaque na extinta Revista Manchete. Para os colegas, Wanderley trabalhava como office-boy e auxiliar de escritório.

Aos 17 anos, o bailarino deixou de lado atividades predominantes do meio masculino para se render a uma paixão: o balé. O primeiro contato com a dança aconteceu aos 15 anos, quando assistiu pela televisão o espetáculo O Quebra Nozes. Até então ele era o número 36 da Casa do Pequeno Jornaleiro e como os demais era adepto do futebol e do caratê. Wanderley chegou a integrar o time Dente-de-Leite do Coritiba Futebol Clube. "Gostava (do futebol e do caratê), mas a gente tem as nossas paixões", afirma.

O primeiro obstáculo que encontrou no balé veio do próprio Teatro Guaíra. Logo depois de assistir ao Quebra Nozes, ele não pôde se matricular nas aulas de dança porque não eram aceitos homens no grupo. Só dois anos depois o adolescente se matriculou em um curso de formação, de onde seguiu para Portugal e treinava durante a manhã, tarde e noite.

De volta ao Brasil, participou de turnês e adquiriu uma experiência que o fez ser requisitado por vários grupos de dança. Por haver poucos homens disponíveis e com sua experiência, Wanderley é muito bem recebido pelas colegas de balé. "Elas precisam de homens para dançar", conta o profissional que não se deixou abalar pelas brincadeiras de que foi alvo quando descoberto na adolescência. "Levei na esportiva e assumi. Não dei ‘pelota’, muito pela minha personalidade, construi minha vida sozinho", lembra.


Competência é mais importante que o gênero’
O bailarino conta que gostava de futebol e caratê. A paixão, no entanto, era a dança Passado o estranhamento inicial em se deparar com um homem para prestar um serviço realizado, geralmente, por mulheres, tanto clientes como empresários buscam competência na atividade. É assim que a professora do curso de Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e mestre em Gestão de Pessoas, Daniela Foster, analisa a atuação dos homens em profissões predominantemente femininas.

"Tem que considerar as habilidades, capacidades e competências do profissional", afirma Daniela, que assume já ter tido um pouco de receio ao ser atendida por um manicuro. Ela conta que esse sentimento passou quando observou como o profissional atuava.

Para a professora, determinar se esta ou aquela profissão é adequada para homens ou mulheres é resultado de um padrão social. O momento atual, pondera, é uma fase de adaptação, tanto para homens quanto para mulheres, que também estão ganhando espaço em profissões até então consideradas masculinas. "A percepção de quem utiliza o serviço minimiza o preconceito e a preocupação maior é com a competência do profissional do que o gênero", avalia.


De guarda municipal a pedagogo
O curso de Pedagogia foi uma escolha para se adaptar ao trabalho com crianças Ricardo Simão, 29, pode dizer que vive uma dupla jornada. Há momentos em que ele é um guarda municipal entre 110 homens e quatro mulheres. Em outros, espanta os professores do curso de Pedagogia, que chegam cumprimentando as "meninas", e se deparam com um homem que, muitas vezes, vai à aula fardado.

No segundo ano do curso, Simão conta que foi difícil se adaptar à convivência com 70 mulheres. Para ele, pior que o espanto em ser o único homem em sala de aula é a descrença que alguns mostram sobre a real intenção do rapaz em concluir a faculdade. "As pessoas perguntam: ‘o que você está fazendo aqui, você quer dar aula?"’, conta.

A opção pela Pedagogia surgiu quando, depois de dois anos, na Guarda Municipal de Curitiba, cuidando da segurança pública, Simão começou a trabalhar em um projeto com 40 crianças de oito a 12 anos de idade, que moram na regional Bairro Novo, na Capital. "Senti dificuldade porque não tinha a linguagem, não tinha a parte pedagógica", lembra.

Ele afirma que, além de ajudar no trabalho desenvolvido com as crianças, a faculdade é um fator para o crescimento na Guarda Municipal e abriu uma nova possibilidade de trabalho: dar aulas. O futuro professor garante que pretende dar aulas para crianças do ensino fundamental e que os homens podem exercer a atividade sem nenhum problema. "Ainda é uma questão cultural de que mulher tem que dar aula", diz. Ele acredita que a principal diferença entre professores homens e mulheres é a disciplina. "O homem tem mais facilidade no controle da turma e a intervenção masculina é mais objetiva."

Já em relação às colegas mulheres de farda, ele também confessa que agora sabe o que elas sentem. "Sinto na pele, vejo como são tratadas. Eu me coloco no lugar delas."

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