Amor que ultrapassa fronteiras e oceanos

Paraná é o 2º estado brasileiro em número de adoções internacionais, atrás apenas de São Paulo

Folha de Londrina | 29 de agosto de 2008

No Brasil, a preferência para a adoção é de crianças de seis meses a um ano de idade, meninas, brancas, sem problemas físicos ou doenças. As crianças com até três anos ainda têm facilidade para serem adotadas. Mas, a partir daí, a maioria fica em abrigos até os 18 anos, quando precisa ir embora. ''Na adoção, os brasileiros fazem muitas exigências quanto à cor de pele, aos 'antecedentes' da mãe. É puro preconceito isso'', afirma a juíza da Vara da Infância e Juventude de Curitiba, Lidia Matos Guedes. As crianças mais velhas e os adolescentes geralmente são escolhidos por famílias de outros países.

''A adoção internacional traz grandes benefícios às crianças e adolescentes que os brasileiros não querem. É a chance de uma vida digna fora do País, com pai, mãe e uma família'', diz Lidia. De acordo com a juíza, os estrangeiros não impõem limites e restrições às crianças, que em média são da faixa etária de 7 a 13 anos. ''Eles aceitam muito bem as crianças, querem apenas que sejam saudáveis e que tragam alegria, que a família se complete. Eles têm um amor que atravessa um oceano para buscar uma criança ou um adolescente que é rejeitado pelos brasileiros.''

O Paraná é o segundo estado do Brasil com maior número de crianças que são adotadas por estrangeiros, atrás apenas de São Paulo. Dados da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) mostram que, em 2007, foram 55 adoções internacionais de crianças paranaenses e, em 2006, 67.

Para a coordenadora da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), Jane Pereira Prestes, mesmo sendo o segundo colocado em todo o Brasil, o número de adoções internacionais é pequeno. ''Lamento que as crianças tenham que atravessar uma fronteira, um oceano, para encontrar amor. Sem a possibilidade da adoção, não podemos condenar uma criança à pena de passar sua maioridade em um abrigo. Mas esse não é um número alto para um Estado com 155 juizados da infância. No ano passado foram apenas 70 crianças adotadas. E três mil estão em abrigos no Paraná'', diz.

Em todo o Brasil, a quantidade de adoções internacionais caiu de 432 em 2005 para 348 em 2007, assim como o número de organizações que fazem o encaminhamento para famílias de outros países, que passou de 49 para 29. A queda nos números ocorreu após ratificação pelo Brasil da Convenção de Haia, que determina o trâmite judicial para a adoção por famílias de outros países.

A SEDH não incentiva a prática da adoção internacional e considera positiva a redução desses números. Para a secretaria, a implementação da convenção garante o controle das adoções, o acompanhamento das crianças e evita o tráfico. A diminuição dos processos internacionais seria também resutado de uma fiscalização mais rigorosa e da ação dos juízes em facilitar a adoção para brasileiros.


Preferência por recém-nascidos
Em todo o Estado, a procura por crianças menores é maior do que a adoção de adolescentes. Essa exigência contribui para que o processo seja demorado. ''As pessoas têm a fantaisa, a ilusão de que a adoção é burocrática e demorada. Não é. Quanto mais exigências, mais demorado o processo fica. Para crianças um pouco mais velhas o tempo de espera é menor'', explica a juíza da Vara da Infância e Juventude de Curitiba, Lidia Matos Guedes. ''Se a pessoa quiser fazer a diferença, tem que adotar uma criança mais velha, não um bebê. Bebê todo mundo adota'', complementa.

Os casos de bebês abandonados pelas mães e encontrados nas ruas são um bom exemplo. Na maioria dos casos, essas crianças são adotadas na própria cidade e têm várias famílias interessadas.

O levantamento de crianças disponíveis para adoção é de responsabilidade de cada município. Em Curitiba e região metropolitana, aproximadamente mil crianças e adolescentes estão em 45 abrigos à espera de uma família. Apenas em Curitiba, são 400 processos de pessoas interessadas em adotar. O número de adoções na Capital se mantém estável. Em 2007, foram 176 processos simples, em que as crianças foram adotadas sem recusa da família e com a documentação correta, e em 2006, 194.

O Cadastro Nacional da Adoção vai favorecer o aumento dos números de adoção internacional em todo o Brasil. Números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta quarta-feira mostram que 4.106 brasileiros estão no Cadastro Nacional da Adoção e que 469 crianças estão aptas a serem adotadas. Desta forma, o perfil de criança que não é muito aceito em uma região do país pode ser escolhido em outra.

Além da demora no processo de adoção, as exigências feitas pelas famílias pode causar mais tarde uma frustração. ''As pessoas idealizam uma criança perfeita, sem problemas e depois que adotam começam os problemas e as dificuldades, pois elas não são como as famílias imaginavam'', diz Lidia. Para evitar esses problemas, a Vara da Infância de Curitiba disponibiliza às famílias habilitadas para adoção um curso de preparação, principalmente nos casos de escolha de crianças mais velhas. ''Mostramos que a criança tem uma história de vida que deve ser respeitada. A conquista dela depende do adulto. Geralmente a devolução das crianças ocorre por falha dos adultos, que não têm paciência, não têm o desejo de conquistar e não têm a motivação adequada'', conta a voluntária da Vara da Infância, Halia Pauliv de Souza.


‘Estamos muito felizes, eles são amorosos e alegres’
Depois de quase dois meses de espera, dois casais italianos voltaram para casa com a família completa. Cada um deles adotou dois filhos brasileiros, com idades entre 6 e 11 anos.
''Estamos muito felizes porque os meninos são alegres, simpáticos e afetuosos. Sentimos que eles também estão felizes'', conta um dos pais, que escolheu o Brasil por achar que a cultura é parecida com a de seu país de origem e devido à organização que fez a articulação para a adoção. ''A vida muda muito, é o que nós procurávamos e desejávamos'', conta o outro casal que há quatro anos queria adotar uma criança.

Assim como os pais, as quatro crianças estão felizes e ansiosas para chegar à nova casa. ''Eu aprendi um pouco de italiano, mas já ensinei ao meu pai como falar em português'', diz o menino. Em relação à família que os espera na Itália, eles já sabem quem vão encontrar. ''Tem a 'nona', a tia e os primos'', conta. Geralmente, os pais estrangeiros que adotam crianças e adolescentes brasileiros têm idades acima dos 35 anos, são casados há algum tempo e não conseguiram ter filhos biológicos.

A adoção internacional é a última alternativa para a adoção de uma criança ou adolescente. A preferência é que continuem em seus países de origem. Se não houver chance de adoção por famílias brasileiras, a oportunidade segue para estrangeiros com visto permanente no Brasil, brasileiros que moram no exterior e, por último, famílias de outros países. Esta determinação já era determinada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e também será regulamentada pela Lei Nacional da Adoção, que foi aprovada nesta semana pela Câmara dos Deputados.

Outra determinação é manter os grupos de irmãos unidos. ''As crianças menores só são adotadas se fizerem parte de um grupo de irmãos'', explica a coordenadora do Ceja, Jane Pereira Prestes. Em alguns casos, os irmãos são dividos por casais que moram na mesma cidade, para que o contato entre eles continue.

Os países que mais adotam crianças e adolescentes paranaenses são a Itália e os Estados Unidos. O contato com as famílias ocorre por intermédio de organizações credenciadas junto à Vara da Infância e Juventude.

No Paraná, 10 instituições fazem essa articulação e, em todo o Brasil, são 31. Uma delas é a Rete Speranza, da Itália, que entre 2002 e 2005 realizou a adoção de 112 crianças paranaenses por famílias italianas.

Alex Sandro Nunes de Almeida, da Rete Speranza no Paraná, defende as adoções internacionais. ''Às vezes as pessoas olham com tanto preconceito para a adoção internacional e não olham para a parte da criança num lar. Um instituto é um lar temporário, mas não deve ser uma coisa definitiva na vida da criança.''


Como ocorre o processo de adoção internacional:
- O casal procura em seu país por organizações que articulam a adoção internacional e faz um cadastro com a apresentação de vários documentos.
- Os documentos do casal são enviados para o Brasil e entregues para a Ceja. Esses papéis são encaminhados para os juízes e passam por uma avaliação.
- Depois da aprovação dos documentos, o casal entra para fila de adoção internacional das crianças encaminhadas pela Ceja.
- A documentação das crianças disponíveis para adoção internacional é encaminhada para os países. Depois de feita a indicação de uma candidata, o juiz avalia a possibilidade de adoção.
- Quando aprovada a adoção, as crianças também são preparadas e recebem um álbum de fotos em que conhecem os integrantes da nova família, a nova casa e a cidade onde vão morar.
- O casal vem para o Brasil e passa, junto com a criança, por um estágio de convivência por, no mínimo, um mês e mais o tempo necessário para a legalização da adoção. Se durante esse período não houver vinculação entre o casal e a criança, a adoção não ocorre.
- Durante os primeiros dois anos é enviado para a Ceja um relatório semestral referente ao envolvimento da família e o desenvolvimento das crianças.


Aprovada Lei Nacional da Adoção
Aprovado pela Câmara dos Deputados na última quarta-feira, o projeto da Lei Nacional da Adoção estabelece os procedimentos para a adoção no Brasil e complementa o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que dispõe sobre a proteção a crianças e adolescentes.
Pela lei, a adoção é permitida para pessoas solteiras, viúvas e divorciadas, desde que tenham mais de 18 anos, e que a diferença de idade entre o adotante e o adotado seja de, no mínimo, 16 anos.

Detalhes
O projeto também aborda a adoção de crianças indígenas e quilombolas e determina prazos para as crianças permanecerem em abrigos à espera de adoção. A adoção de crianças por casais homossexuais foi retirada do texto original da proposta.

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