Entre polêmicas e avanços, ECA faz 18 anos

Especialistas destacam a criação de políticas públicas com a participação da sociedade civil

Folha de Londrina | 13 de julho de 2008

Everson Mendes Franco faz 18 anos em 2008. Ele nasceu em São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba (RMC), e desde pequeno teve seus direitos fundamentais violados. A mãe de Everson era usuária de drogas e ele, junto com seus outros seis irmãos, morava com a avó. Quando tinha 12 anos, depois que seus irmãos foram encaminhados a abrigos, ele foi morar com o pai, que ainda não conhecia. Um ano depois voltou a morar com a mãe e parou de estudar. Passava o dia na rua, onde guardava carros e pedia dinheiro. ''Na rua era melhor que em casa'', diz Everson ao se referir às más condições da casa onde morava.

Everson só voltou a estudar aos 15 anos, quando foi para um abrigo. Hoje, prestes a completar 18 anos, tem outros planos para sua vida. ''Agora meu objetivo é terminar o ensino fundamental no supletivo que estou fazendo. Quero também fazer um curso de informática e arrumar um emprego que me ensine muitas coisas'', conta. Ele vive em Mandirituba (RMC), na Chácara dos Meninos de 4 Pinheiros, onde moram outros 80 meninos que tiveram uma história parecida com a dele. Lá, tem acesso à educação, atendimento médico e alimentação, previstos em uma legislação que defende e garante os direitos de 60 milhões de pequenos brasileiros, o Estatuto da Criança e do Adolescente. ''O ECA deu os meus direitos. Não passo mais fome, voltei a estudar, tenho um chuveiro para tomar banho'', afirma.

Considerado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) como um modelo de legislação para os demais países, o ECA foi instituído no dia 13 de julho de 1990 após uma ampla discussão com a sociedade civil e movimentos sociais.

''O ECA garante a efetivação dos direitos infanto-juvenis com prioridade absoluta, ou seja, com preferência na formulação e políticas públicas e na destinação de recursos. As crianças e os adolescentes não são mais tratados como meros objetos, mas sim como sujeitos de direitos fundamentais já previstos no artigo 227 da Constituição Federal'', afirma o procurador-geral da Justiça do Paraná, Olympio Sá Sotto Maior Neto, que participou do processo de criação do estatuto. A legislação também prevê a Doutrina da Proteção Integral, que considera as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento, sob responsabilidade do Estado, da família e da sociedade.

Assim como Everson, neste ano o ECA completa 18 anos e chega à sua ''maioridade''. Sotto Maior destaca como um grande avanço da legislação a atuação e a importância dos conselhos de Direitos e os Tutelares. São esses órgãos que garantem o cumprimento do ECA e possibilitam a municipalização e a participação da sociedade civil na formulação das políticas públicas para as crianças e adolescentes, indicando quais são os programas necessários para cada realidade. ''É onde a sociedade civil se organiza para criar a política pública, ou seja, corrigir a falha onde quase sempre o Estado é muito negligente'', complementa Fernando Francisco Goes, fundador da chácara onde mora Everson.


Desconhecimento dificulta cumprimento da lei
O ECA ainda não é conhecido pela maioria da população. ''Conheci o estatuto em um projeto que participei, mas muitos outros jovens não sabem que ele garante nossos direitos'', conta a adolescente Juliana Cristina Cordeiro, 17 anos.

''O que muda a realidade é o exercício da lei. Para isso é preciso conhecê-la'', afirma o procurador Olympio Sá Sotto Maior Neto. Mario Volpi, do Unicef, destaca a importância do debate entre os próprios jovens. ''É necessário abrir espaço para os jovens que já estão interessados e dar oportunidades para os que ainda não conhecem o estatuto. A escola, o centro de saúde, as organizações e o poder público devem promover discussões.''

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos lançou uma campanha publicitária sobre os 18 anos do ECA, que será veiculada em todo o Brasil. Os candidatos a prefeito e a vereador também participam das mobilizações. As campanhas ''ECA: 18 Anos, 18 Compromissos'' e ''ECA: 18 Anos, 18 Proposições Prioritárias para a Criança e o Adolescente no Centro do Parlamento Brasileiro'' contam com a assinatura de um termo em que os candidatos se comprometem a priorizar as ações e projetos direcionados às crianças e aos adolescentes.


'Precisamos reduzir as disparidades'
O oficial de projetos do Unicef, Mario Volpi, cita três desafios para o ECA. ''Precisamos reduzir as disparidades. Reduzimos a mortalidade infantil, mas as crianças negras morrem mais do que as brancas e as do Nordeste morrem mais do que as do Sul e Sudeste. As crianças escapam da mortalidade infantil, mas aumentou a prática de homicídios contra as crianças de dez a 19 anos. Tem ainda a questão da gravidez na adolescência. As meninas precisam sair da condição apenas das atividades domésticas e terem a oportunidade de um espaço de cultura, vivência e debate'', argumenta.

Para a secretária de Estado da Criança e Juventude, Thelma de Oliveira, houve um avanço significativo no combate à mortalidade infantil, no acesso à educação e na segurança, com a criação do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria) e o Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride).

A secretária afirma que ainda são necessárias políticas na área da cultura, esporte e lazer para a juventude. E ressalta que é preciso sair da institucionalização das crianças - tirá-las de suas famílias quando estas ainda têm condições. ''Na sociedade, é necessário mudar a imagem apresentada de que os garotos pobres são uma ameaça e os ricos são uma esperança. Temos que ter consciência de que o que os diferencia são as oportunidades, as condições concretas.''

O estatuto ainda enfrenta diversas dificuldades para a efetivação dos direitos infanto-juvenis. Entre as maiores discussões está a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, que tramita no Congresso Nacional. Pela proposta, adolescentes entre 16 e 18 anos poderão ser responsabilizados criminalmente em caso de crime hediondo. Segundo levantamento da Ordem dos Advogados do Brasil existem 30 projetos tramitando no Congresso prevendo a redução da maioridade penal.

Para Volpi, a medida ilusória, já que ''parte da idéia de que reduzindo a idade e aumentando as penas vamos reduzir o delito.'' ''O que efetivamente muda esta realidade é um bom sistema de justiça com atendimento socioeducativo bem estruturado e políticas de prevenção.''


Como você pode ajudar
- ''Cada pessoa com conhecimento de uma criança violada de seus direitos deve comunicar o poder público ou o Ministério Público''
Olympio Sá Sotto Maior Neto - Procurador-geral de Justiça do Paraná

- ''Cada um tem que olhar as outras crianças como olha as suas. Temos que falar e mobilizar as pessoas para uma sociedade mais humana, que mobilize mais as pessoas. Só assim vamos nos aproximar do que o estatuto preconiza''
Thelma Alves de Oliveira - Secretária de Estado da Criança e da Juventude

- ''Temos que olhar para a criança com esperança de que possa mudar e cobrar as leis do estatuto para o poder público''.
Everson Mendes Franco - adolescente

- ''Nosso país precisa superar a idéia de que dar um dinheiro é ajuda. Isso é muito bom, mas mais importante é dar a sua competência. Precisamos passar da fase de colocar a mão do bolso para botar a mão na massa''
Mário Volpi - oficial de projetos do Unicef

- ''A população tem que ficar mais atenta aos descasos cometidos, fiscalizar mais a implementação das políticas públicas e controlar, por meio dos mecanismos já existentes, a aplicação dos recursos''
Senadora Patrícia Saboya - coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

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