O desafio da ressocialização V

A chance de começar a vida de novo

Esforço dos jovens e comprometimento da família é fundamental para recuperação e reinserção

Folha de Londrina | 31 de outubro de 2008

Mesmo sem o envolvimento de muitos municípios para a realização de medidas sócio-educativas em meio aberto, os índices de reincidência e de morte dos jovens egressos, o Paraná é considerado por alguns um exemplo na execução das medidas sócio-educativas. As ações realizadas são embasadas nas determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo (Sinase), que define medidas pedagógicas e arquitetônicas para o atendimento do adolescente em conflito com a lei.

Em Curitiba, o Centro de Sócio-educação (Cense) Joana Miguel Richa atende 28 meninas apreendidas e, entre elas, apenas quatro curitibanas. No Cense Joana Richa, as adolescentes se esforçam diariamente, inclusive com atividades como lavar suas próprias roupas, cursos de costura e de cabelereiro.

Assim como em outras unidades, as meninas ficam, em média um ano internadas no Cense. "São raros os casos que chega a ficar três anos", conta a diretora do Cense Joana Miguel Richa, Maricelne Vital Piva.

Segundo ela, é visível o desenvolvimento das garotas. "Por mais que você faça o trabalho que você fizer, se não tiver neste retorno da menina uma condição favorável é muito complicado. Porque ela vai voltar para o mesmo ambiente onde vai estar vulnerável de novo. Então, nós temos também o trabalho com a família", explicou.

Como a maioria das jovens eram moradoras do interior do Paraná, suas famílias são trazidas para Curitiba em determinados momentos para que o convívio familiar volte a fazer parte da rotina delas.

"A gente tenta trazê-los para fazer grupos, com discussão, porque são famílias muito fragilizadas também. Percebemos que existe um sofrimento muito garnde destas famílias de estarem vendo suas filhas nesta situação, mas assim, não pessoas muito carentes de tudo. Portanto, se não houver um investimetno nesta família de desenvolvimento é muito difícil essa reinserção", apontou Maricelne, que ainda vê na família o maior problema para a ressocialização das jovens.

Todas acordam às 7 horas, arrumam suas celas, tomam café e vão para a escola, dentro da própria unidade. Em seguida, almoçam, e passam por um período de qualificação profissional com os cursos. "Depois elas vão para o banho e temos atividades noturnas, que são atividades de artes, música e religião".

Entretanto, não é apenas no atendimento das famílias, que a unidade feminina tem se mostrado preparada. A boa estrutura do local está evidente em toda área. O antigo Lar das Meninas, a unidade é subdividia pelo escritório da administração, cozinha, e as celas. No meio destes corredores, há uma sala com televisão, salas de aula, estúdios para os cursos e ainda uma local para o uso de computadores sem internet.


Rede de proteção envolve município
Em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, o índice de reincidência entre os adolescentes em conflito com a lei é de 5%. No município, os jovens que cumprem medidas sócio-educativas em meio aberto de liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade são acompanhados individualmente por uma equipe multidisciplinar específica para o programa e participam de atividades de formação profissional.

Uma rede de atendimento ao adolescente garante o cumprimento das medidas, a ressocialização do jovem e a diminuição dos casos de internação. A execução das medidas está prevista no orçamento da Secretaria Municipal de Promoção Social e o programa também conta com parcerias de outras secretarias municipais, poder judiciário, Ministério Público, organizações sociais e empresas. A família do jovem também participa do atendimento.

"O sucesso depende da integração", afirma a diretora-geral da Secretaria de Promoção Social, Yara Follador. Ela conta que o desafio inicial da implementação do programa de medidas sócio-educativas no município é sensibilizar os gestores sobre importância deste que é "uma necessidade da sociedade". Yara também destaca a participação dos parceiros que ela considera "positivos", aqueles que entendem a importância do trabalho realizado e reconhecem que o jovem está em fase de reinserção e precisa de todo o apoio. "É o trabalho que mais traz resultados positivos."

No atendimento com psicólogos e assistentes sociais, os jovens passam por atividades em que é valorizada a criação de um projeto de vida, novas possibilidades e perspectivas ao adolescente. "A gente explica que ele vem por uma via judicial, mas no programa o compromisso é com ele mesmo", afirma a psicóloga Terezinha Kulka.

Além dos números, a equipe de trabalho aponta um dos mais importantes resultados: a melhora da auto-estima dos adolescentes. "É o ECA acontecendo no município de fato", afirma a assistente social Jandira Maria Vieira, que participou do processo de implementação do programa em outubro de 2002. Desde o começo das ações até junho deste ano, foram atendidos 876 jovens nas atividades de liberdade assistida e prestação de serviço comunitário.

O trabalho em São José dos Pinhais foi reconhecido, ficando entre os finalistas da terceira edição do Prêmio Sócio-educando, entre as capitais Fortaleza (Ceará) e Belo Horizonte (Minas Gerais). O prêmio é realizado por organizações nacionais e internacionais que atuam na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud) e Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef).


"Tô feliz pra caramba", diz Luiz
Aos 19 anos, o jovem Luiz (nome fictício) já sabe o que quer para sua vida. "Quero terminar meus estudos, arranjar uma namorada que não fume, fazer um curso técnico. A faculdade não penso pra já. Quero ser torneiro mecânico", diz.

Luiz passou um ano no Centro de Sócio Educação (Cense) Fazenda Rio Grande e afirma que desde que saiu da unidade, há três meses, "procura não se envolver" com o tráfico de drogas. Ele diz que está feliz, trabalhando e conta que procurou sozinho por uma escola para voltar a estudar. "Não vou ficar esperando minha técnica arrumar (escola) pra mim."

Durante o tempo em que esteve no Cense e depois que voltou para a sua comunidade, Luiz afirma que sentiu mais dificuldade em relação ao vício em cigarro e maconha, mas que conseguiu parar com o consumo. De volta a sua casa, recebeu apoio da família, o que facilitou a ressocialização. Ainda assim, ele acredita que a ressocialização depende muito da vontade do próprio jovem. "'Cadeia' não muda, é a pessoa que muda. Estou fazendo o possível".


O lado feminino do crime
Entre as 28 meninas que estão no Cense Joana Miguel Richa, um terço delas cometeu homicídio, outro terço roubo e o restante entrou no crime pelo tráfico de drogas. "Na região Oeste prevalece ainda muito o tráfico de drogas. É de onde nós mais recebemos meninas. E assim o homicídio ainda são situações pontuais. Tem muito a questão passional", afirmou Maricelne Vital Piva, diretora do Cense. Para ela, as meninas ainda são influenciadas pelos homens na hora de cometer um crime.

De diferentes cidades e com experiências distintas, as meninas têm em comum um fator que leva uma preocupação pelo resto da vida delas. "Meninas que ainda não tiveram a primeira menstruação já têm vida sexual", ressalta.

"Com 12, 13 anos, elas vão para a rua. Muitas vezes, elas saem de casa para ir morar com amigos. Tivemos uma mãe que veio aqui. A mãe tem uma idade mais avançada e tem o companheiro bem jovem. A idade dele está mais compatível com a filha. A menina nunca nos trouxe isso, mas relatórios dizem que elas competiam sexualmente no relacionamento com este homem", revelou a diretora da unidade.

Tragédia e esperança
Fernanda (nome fictício), 16 anos, é curitibana, mas sua família mora em Ramilândia (81 km a oeste de Cascavel), foi obrigada a morar com seus avós paternos com dois anos de idade porque seu pai fugiu após assassinar uma pessoa e sua mãe desaparecer sem explicações. "Tudo que eu queria minha vó e meu vô me davam. Não precisava ter entrado nessa vida", conta.
Fernanda explica como chegou na unidade Joana Miguel Richa, onde está há um ano. "Eu me envolvi com um latrocínio. Me sinto arrependida também", admite a menina. De acordo com ela, os dois envolvidos já estão soltos.

Assim como Fernanda, Paula (nome fictício), 16, teve uma trajetória trágica. Sua mãe morreu e ela nem sabe o motivo. A família não conta. Aos nove anos foi morar com o pai que, depois de dois anos, morreu de cirrose. "Aí acabou tudo para mim. Eu não queria mais estudar. Mudei de escola e lá tinha muitos caras que já eram do 'mundão' e eu fui me enturmando", relatou. Hoje, Fernanda e Paula aguardam o momento em que voltarão para casa. Pretendem reconstruir suas vidas. "Se tiver força de vontade, você consegue", conclui Fernanda.

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