Integralmente curitibano

Escritor vencedor de 2008 do Prêmio Jabuti, Cristovão Tezza conta que em sua relação com Curitiba "foi vencido" pela cidade

Folha de Londrina | 26 de setembro de 2008

O escritor catarinense Cristovão Tezza começou a escrever poemas com 13 anos e aos 18 já tinha definada profissão que queria seguir. Começou a dar aula depois dos 30 anos como uma forma de sobreviver "tranquilamente". Ele chegou na Capital com sete anos e disse que em pouco tempo a pessoa transforma-se em um curitibano apesar da fama de frieza que a população demonstra constantemente. Nesta entrevista para a FOLHA DE LONDRINA, ele fala do Prêmio Jabuti e da sua vida em Curitiba.

FOLHA DE LONDRINA - "O Filho Eterno" foi a sua quinta indicação ao Prêmio Jabuti. Você acha que este é o que mais merecia ganhar o prêmio?
CRISTOVÃO TEZZA - Eu não sei, não queria falar pelo júri porque são livros diferentes. Eu acho que estou sentindo isto agora. "O Filho Eterno" parece que é um livro de bastante impacto, foi o romance que eu escrevi que teve mais respostas de público e de crítica. É um livro que faz um ano que eu publiquei e continua tendo vendas, está sendo traduzido, já saiu na Itália, foi vendido na França, na Espanha e Portugual. Deve ter alguma razão. É um livro de maturidade, é diferenciado pelo lado biográfico e o tema, que é um tema muito difícil.

FOLHA - Quanto tempo demorou a produção do livro?
TEZZA - Foram dois anos entre escrever a primeira linha e entregar para a editora.

FOLHA - Como você descobriu que era um escritor?
TEZZA - Eu comecei a escrever aos 13, 14 anos poemas, como todo mundo. Eu diria assim que aos 17, 18 anos já tinha um projeto bem estabelecido de ser escritor. Aí não teve mais volta.

FOLHA - Além de escritor, você é professor. Qual dos dois você prefere?
TEZZA - Ah, escrever. Eu sou professor na vida real. É que é muito difícil viver de livros e a profissão do professor, que eu só comecei tardiamente - só fui dar aula aos trinta e tantos anos - foi a forma que eu encontrei de sobreviver tranquilamente, para me dar tempo de escrever. É um trabalho que tem a ver, tem muito escritor professor.

FOLHA - Você leva muito da sua experiência de escritor para sala de aula?
TEZZA - Eu acho que sim, embora eu não seja professor de Literatura. Eu dou aula de Língua Portuguesa, eventualmente Linguística, alguns aspectos de Teoria da Linguagem. Mas é claro, a gente não é dividido em gavetas. Muito do que eu sou globalmente, somando tudo, eu levo para sala de aula.

FOLHA - Você nasceu em Santa Catarina, veio criança para Curitiba, depois foi para Portugal e morou algum tempo em Florianópolis. Por que você sempre voltou para Curitiba?
TEZZA - É uma espécie de porto seguro. É uma referência. Primeiro são contingências de sobrevivência e no fim eu sempre encontrava aqui em Curitiba minha estabilidade, a maneira de viver. E depois, eu sou integralmente curitibano. Eu cheguei aqui com sete a oito anos, e em pouco tempo você vivendo aqui já começa a se transformar em um curitibano, é uma coisa muito forte da cidade. E sempre acabou sendo uma referência, eu sempre voltei para cá por razões de sobrevivência, de trabalho. Primeiro fiz um concurso na (Universidade) Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, depois abriu concurso aqui e eu vim para cá. Foi basicamente até pelo trabalho de professor. Hoje eu não quero mais sair daqui, de jeito nenhum.

FOLHA - Você disse que a pessoa quando vem pra cá logo vira um curitibano. Qual é essa característica de ser um curitibano?
TEZZA - Bom, é bem difícil assim para definir. O curitibano, se fosse para entrar num catálogo de história natural daria dor de cabeça para o pesquisador (risos). Não sabe quais são os traços dessa espécie do homem curitibano. Ele é mais gelado, mais frio nas relações com as pessoas, é muito organizado, é obcecado por ordem, gosta de fila, de coisas certinhas, é muito introspectivo, é desajeitado na extroversão. A extroversão curitibana é sempre meio estranha, tanto que a gente não tem carnaval. E o curitibano vive muito para dentro, muito para casa, ele é caseiro. O grande programa do curitibano é pedir pizza pelo telefone, é o máximo da sociabilidade. Tem uma classe média que dá um certo tom para cidade, embora seja uma cidade brasileira, portanto com problemas sociais de qualquer outro lugar do Brasil. É até uma cidade bastante violenta. Tem um cinturão de miséria, de favelas.

FOLHA - Seriam essas as características que fazem com que você não escolha São Paulo ou Porto Alegre, por exemplo?
TEZZA - Eu acho que morar é uma questão também de contingência. Se eventualmente surgisse um trabalho muito bom em outra cidade... Hoje eu já não teria vontade de sair daqui. Até que na minha área, por exemplo, Literatura, escrever, fazer jornalismo cultural, resenha, que eu faço muito, crítica, a internet acabou com esse negócio que você tem que ir para o lugar. Eu conheço um monte de gente que praticamente trabalha em um computador com o mundo inteiro. Então se fosse escolher cidade por cidade, eu gosto muito de São Paulo e do Rio, para passar um tempo, mas não gostaria de morar lá. Eu acho que é uma cidade que já passou meu tempo.

FOLHA - O que você gosta e não gosta de Curitiba?
TEZZA - Que que eu gosto?... Eu acho que habito uma Curitiba mental, na minha cabeça. Eu me sinto em casa aqui, é uma situação de familiaridade já. Eu sempre brinco que eu digo assim "na minha briga com a cidade, a cidade venceu". Eu depus as armas. E ela não tem muito atrativo, não tem muita coisa para se fazer em Curitiba, mas isso eu acho interessante. Para um escritor é uma maravilha, nada te distrai.

FOLHA - E tem alguma coisa que não te agrada?
TEZZA - O que não me agrada na cidade é o aspecto brasileiro dela, no sentido genérico. Como qualquer outra cidade média brasileira, uma cidade violenta, com pobrezas, não se chega em nenhum sinaleiro em que não tenha alguém te pedindo esmola.

FOLHA - O que você leva da cidade para as suas obras?
TEZZA - Alguma coisa da atmosfera da cidade. Curitiba não é um Brasil típico, tem certos traços muito próprios daqui e que eu acho que funcionam literariamente. Esse aspecto de cidade mental, das pessoas viverem introspectivamente.

FOLHA - Quando você morou na Europa, você trabalhou ilegalmente. Como foi essa experiência?
TEZZA - Ali eu senti o que é o drama da comunidade européia. Porque você tem estados muito ricos em que não há mais cidadãos dipostos a segurar uma vassoura para varrer o chão. Até como desempregados eles ganham mais, do estado, na Alemanha, na Suíça, França etc. E você precisa do Terceiro Mundo para digamos assim, carregar o piano. Ninguém quer carregar o piano. Quando eu cheguei nos anos 70, esse processo estava em plena ascensão, ou seja, os estados europeus não querem receber imigrantes, mas por baixo do pano todo o sistema da livre iniciativa precisava urgentemente de gente para fazer esse trabalho braçal. Então eu cheguei lá e consegui trabalho num estalar de dedos sem documento nenhum.

FOLHA - O que você fez lá?
TEZZA - Eu acabei pegando um trabalho quase integral num hospital de clínicas de Frankfurt. Eu trabalhava quase 20 horas por dia porque era para juntar dinheiro mesmo. Eu praticamente não vi nada da cidade, ficava no subterrâneo daquele prédio. De manhã trabalhava na lavanderia, de tarde ia para limpeza e à noite, até às 10 horas da noite, na cozinha. Eu trabalhava direto. Só convivi com árabes, espanhóis, italianos, turcos, portugueses. O meu chefe era um argelino e eu nunca vi um alemão. Esse pessoal era o que estava carregando o piano. Tem um traço que eles não se misturam, você cria guetos de imigração, não há integração e essa é a raiz dos problemas que estão havendo hoje lá.

FOLHA - E como foi sua experiência de "bicho-grilo"?
TEZZA - Aí foi de juventude mesmo. Eu sou integralmente alguém dos anos 60. Era a época da implantação da ditadura no Brasil, então você tinha um impulso contestatório muito grande, a gurizada toda. Foi a época do grande desbunde dos hippies, dos Beatles, da pílula anticoncepcional, da implosão da família tradicional, da mulher começando a ocupar espaço, já podendo sair sozinha para ir num baile, do é proibido proibir. Foi uma época de rebeldia e eu entrei de cabeça. Isso aí marcou muito a minha literatura e a minha forma de ver o mundo.

FOLHA - Como é seu dia?
TEZZA - Eu tenho as aulas na universidade, que sempre dão margem boa para eu manobrar e tento me organizar para escrever e para ler. Basicamente eu não saio de casa, meu trabalho é esse. Por exemplo, me aposentar. Como fui vagabundo na juventude, comecei a trabalhar com 35 anos e só vou me aposentar com 70. A não ser que algum livro meu estoure e eu consiga viver de direitos autorais, mas eu acho difícil.

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