Negócio da China em Curitiba

Imigrantes empreendedores já estão na terceira geração na Capital

Folha de Londrina | 16 de outubro de 2008

Poucos se prontificaram a falar com a equipe da FOLHA. Desconfiados, alegaram que a pouca prática com a Língua Portuguesa os impede de conversar. Apenas os chineses vindos de Moçambique (na África), mais habituados ao português, contaram suas histórias.

Talvez um detalhe já tenha chamado a atenção. Chineses de Moçambique? O fato pode ser explicado pela principal característica desse povo. ‘‘A população chinesa tem um espírito empreendedor e aventureiro’’, afirma William Wing, 40 anos, que chegou ao Brasil com oito anos de idade e hoje é presidente da Associação Cultural Chinesa do Paraná (ACCPAR).

‘‘Há chineses em todos os países do mundo. Onde há possibilidade de comércio e acesso ao mercado’’, afirma o professor de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Márcio de Oliveira.

O professor conta que a chegada dos primeiros chineses no Brasil data da década de 1920. Porém, nesta época, as pessoas vindas da África e da Ásia não eram bem vindas. ‘‘Eles sofriam restrições e só podiam entrar no país com autorização. O objetivo era conter a imigração asiática e o acesso era diferente dos alemães e portugueses, por exemplo’’, explica.
Nas décadas de 1960 e 1970 os imigrantes chineses fugiram da Revolução Comunista de Mao Tse Tung e das tropas militares da Frente de Libertação de Moçambique. Quando chegaram em Curitiba, em meados de 1970, começaram a trabalhar em pequenos comércios, principalmente na área de alimentos.

Além dos chineses de Moçambique, que foram os primeiros a chegar na Capital, vieram para o Brasil os imigrantes de Hong Kong e da China, este último em maior quantidade a partir da década de 1990, quando a criação do Real deixou as condições financeiras mais favoráveis no Brasil.
Hoje, de acordo com Wing, são duas mil pessoas que vivem em Curitiba e já estão na terceira geração. Suas presenças podem ser percebidas principalmente no Centro da cidade, onde trabalham em lanchonetes que vendem pastéis e salgados, que consideram mais fácil para trabalhar e sem um investimento inicial muito grande.

Pastéis e salgados
Na porta dos estabelecimentos, placas anunciam pastéis, lanches e almoços -''Comida chinesa e brasileira''. Os preços baixos se destacam com letras azuis e vermelhas no fundo amarelo. As lanchonetes são parecidas, ficam muito perto umas das outras e a concorrência de preço é acirrada. ''Mas por que todas são tão parecidas?'' A resposta é simples. Quando chegaram em Curitiba, os imigrantes moravam com os conterrâneos já estabelecidos e iam imitando a forma de organizar o comércio. E foi assim também com os fornecedores.

Tímido como seus clientes, o pintor que se identificou apenas como José e não quis dar o sobrenome, faz placas de preços para estabelecimentos de chineses há aproximadamente oito anos. Ele conta que no começo prestava muito serviço aos comerciantes, mas, hoje, poucos o procuram, apenas para trocar os preços anunciados. ''Um faz e indica pro outro'', afirma.
''Saímos do nosso país para trabalhar muito. Em um lugar onde não conhecemos direito a língua, com hábitos diferentes e o espírito de luta, investimos no trabalho e perseverança'', afirma o imigrante Willian Wing. E todo o trabalho vale a pena. Eles afirmam que não possuem um padrão de consumo norte-americano, mas a situação financeira é bem melhor da que teriam em seus países de origem.

''A gente não foge do trabalho. Tendo um lar e o mínimo para sobreviver, estamos satisfeitos'', diz Wing. Os imigrantes investem muito nos estudos de seus filhos. A maioria matriculou as crianças em um mesmo colégio particular da cidade.

Depois de tanto trabalho, duas atividades são características do chineses que moram em Curitiba. Eles frequentam a Igreja Presbiteriana e são sócios do Clube Santa Mônica. ''Depois de 20 anos só trabalhando, a gente se diverte um pouco agora. Também vamos pra praia, pra sair um pouquinho da rotina'', afirma o comerciante de uma distribuidora de doces Almeida Cheang, 44.

Empreendedores e aventureiros
Willian Wing e Almeida Cheang se conheceram na cidade de Beira, em Moçambique, um município pequeno com aproximadamente 80 mil habitantes. Eles estudavam na mesma escola antes de suas famílias mudarem para o Brasil.

A família de Cheang trabalhava em um armazém ''secos e molhados'' na cidade e ele conta que quando desembarcou em Curitiba achou a cidade muito pequena. ''Parecia um vilarejo, o aeroporto era muito pequeno em comparação com o de lá, que era enorme, onde os portugueses iam para a colônia'', diz.

A adaptação no começo foi difícil. ''Os brasileiros acham os chineses antipáticos, antisociais e com hábitos não convencionais, como falar alto'', conta Wing. ''Algumas pessoas, quando estavam no bar e ficavam bêbadas, diziam que a gente veio para roubar os empregos aqui'', lembra Cheang.
Mas depois de muito trabalho eles se estabilizaram. Wing é dono de uma rede de lanchonetes e seu amigo possui uma distribuidora de doces no Centro de Curitiba, onde durante os quase 35 anos, o local já funcionou como bar e lanchonete.

Cultura chinesa em Curitiba
Criada por sugestão do Consulado Chinês devido ao grande número de chineses em Curitiba, a Associação Cultural Chinesa do Paraná (ACCPAR) tem o objetivo de congregar a cultura chinesa e apresentá-la aos brasileiros. A associação é uma organização sem fins lucrativos e realiza diversos eventos com o objetivo de integrar as culturas chinesa e brasileira.

Para o presidente da ACCPAR, Willian Wing, a principal dificuldade da associação é disseminar ainda mais a cultura chinesa, uma vez que as novas gerações já estão incorporando a cultura brasileira.

''A comunidade já pratica a cultura na família, em casa. Quem tem mais interesses na nossa cultura são os brasileiros. Mas é o curso natural das coisas. O povo imigrante mantém as tradições, mas acaba acumulando com a do meio social local'', afirma.

Serviço:
A ACCPAR fica na Rua Coronel Pretextato Taborda Ribas, 1.813, Santa Quitéria. Informações pelo email wman@uol.com.br.

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