Diferença entre gêneros reflete em desempenho

Avaliação aplicada no Brasil mostrou que meninas são melhores na leitura e meninos se destacam em Ciências e Matemática

Gazeta do Povo | 11 de janeiro de 2011

A última edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), referente ao ano de 2009 e divulgado no início de dezembro, mostrou, entre outros dados, algo que os professores já perceberam há tempos: a diferença de gênero também se reflete no desempenho dos estudantes em sala de aula. A pesquisa avaliou alunos de 15 anos em 65 países e mostrou que, no Brasil, as meninas são mais eficazes em leitura, enquanto os meninos se destacam em Ciências e Matemática.

Além de uma simples diferença, este quadro representa um amplo desafio aos docentes, que precisam lidar com as potencialidades de cada um e ao mesmo tempo estimular os alunos nas áreas em que eles não têm tanto interesse. A tarefa não é fácil, pois exige atenção e jogo de cintura dos professores na hora de passar os conteúdos aos jovens, que também apresentam características individuais no aprendizado.

“O professor precisa estruturar a maneira de ensino prevendo a diversidade na maneira de aprender. Estas diferenças são maiores que a questão do gênero, elas acontecem de pessoa para pessoa”, ressalta a doutora em Educação e professora do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Evelise Portilho.

Os relatos de alguns professores do ensino fundamental e médio mostram que as diferenças são realmente notáveis. De acordo com eles, as meninas são mais concentradas nas atividades de leitura e produção de texto, ao mesmo tempo em que os meninos são mais agitados e se interessam por experimentos científicos e atividades de cálculo. “Até mesmo os livros que eles escolhem são aqueles que aprofundam o conhecimento científico e tecnológico. Nas discussões sobre as obras, os meninos participam muito mais quando trabalham com estes temas”, conta a professora de Língua Portuguesa, Lucimara Costa Gai. Ela ainda ressalta que entre as meninas, a preferência é por assuntos ligados ao sentimento.

Nas aulas de Matemática, a professora Simone Danielle Tychanowicz sente que os alunos absorvem facilmente a matéria por já estarem mais familiarizados com unidades de medidas e cálculos em geral. “Por outro lado percebo que as meninas precisam rever o conteúdo em casa. Elas vão bem na disciplina porque estudam bastante”, diz. O mesmo acontece nas aulas de Ciências e Química ministradas pelo professor Fernando Costa. “O interesse pelas atividades práticas em laboratório é dos meninos, enquanto as garotas ficam mais tímidas. Mas, quando é preciso fazer leituras, elas compreendem muito mais.”, afirma.

Ensino
Para chamar a atenção dos estudantes nas disciplinas, Evelise afirma que os professores precisam estar atentos aos interesses dos jovens, bem como estimular diferentes habilidades, as chamadas múltiplas inteligências. “Se o aluno tem predomínio em uma modalidade não podemos deixar de potencializar as outras, que também são importantes”, diz.

O ideal é desenvolver atividades que se aproximam da realidade dos jovens e oportunizar a interação entre os alunos durante os estudos, promovendo o ensino colaborativo, quando os estudantes aprendem uns com os outros, o que de acordo com Evelise é muito válido. “O ensino não precisa ser focado apenas no professor, pois não existe uma única maneira de ensinar”, garante. Na prática, os docentes garantem que a iniciativa dá resultados, uma vez que alia as potencialidades de meninos e meninas nos grupos de estudo.


Habilidades ficam estampadas no boletim
Prestes a ingressar no ensino médio, o estudante Tulio Peiter, de 14 anos, percebe suas principais habilidades ao analisar as notas do boletim. Suas médias em Matemática e Ciências superam as notas em Língua Portuguesa. Para ele, isto acontece pelo fato de que o raciocínio lógico é mais fácil de entender e chega a ser divertido. “É como se fosse um jogo em que devemos encontrar o resultado”, define. Sua colega Jéssica Farias Pereira, 14 anos, conta que não sente dificuldade em nenhuma disciplina, mas confessa que sua preferência é pela leitura. “Gosto mais de ler do que fazer outras coisas. Sempre tive essa facilidade”, afirma.

Os estudantes contam que, assim como eles, seus colegas de classe apresentam desempenhos semelhantes nas disciplinas de acordo com o gênero. Os jovens ainda observam posturas diferentes dos professores em relação à atenção aos estudantes. Muitos investem mais nas explicações aos alunos com dificuldade em absorver a matéria.

Mesmo com as preferências, Tulio e Jéssica se esforçam para aprimorar seus desempenhos. Para isso, investem pesado nos estudos e aproveitam o contato com os professores. “Procuro perguntar bastante e tirar minhas dúvidas, é preciso se impor. Tem que correr atrás e se adaptar à matéria”, explica Tulio.


Cultura também determina as diferenças
Toda a vida escolar de meninos e meninas é marcada pelas diferenças de comportamento e desempenho entre os dois gêneros. A rivalidade entre eles é a marca das primeiras séries do ensino fundamental. Já nos anos que antecedem o ensino médio, o interesse pelo sexo oposto começa a se despertar. Nesta fase, em que ocorre a puberdade, o desenvolvimento de cada gênero também interfere no desempenho escolar. Geralmente as meninas se desenvolvem mais rapidamente, enquanto os meninos amadurecem em um ritmo mais lento. A professora do setor de educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Maria Rita de Assis César aponta, no entanto, outro fator determinante para a diferença entre os gêneros: a formação.

“Ao invés de uma diferença biológica, é mais interessante pensar na maneira com que os jovens são tratados no processo educacional como um todo, em casa, na escola e na rua”, afirma. Na avaliação da especialista, há um direcionamento em toda a formação do aluno assim que se descobre o sexo, quando ele ainda está no útero de sua mãe.

Às meninas são direcionados afazeres que exigem capricho, limpeza e humanidades e aos meninos atividades técnicas, ligadas ao matemático. “É lógico que o resultado será diferente, os estímulos são diferentes. Qualquer pesquisa biológica ou neurológica em relação a isso é bobagem”, opina a especialista.

Os pais também são responsáveis pelos resultados apresentados pelos estudantes em sala de aula, advertem os estudiosos no assunto. Além de estimular seus filhos em suas diversas potencialidades, eles precisam investir também na formação de um gênero mais plural, com diversas habilidades.

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