Preocupação ambiental muitas vezes é só marketing

Cada vez mais, empresas se esforçam para consolidar a imagem de instituições ecologicamente corretas. Porém nem sempre o que se anuncia é verdade

Gazeta do Povo | 9 de fevereiro de 2011

Talvez você não conheça o significado da expressão “greenwashing”, mas com certeza já foi o público-alvo dessa prática. Para se certificar disso basta tentar elencar pelo menos cinco empresas que realizam projetos focados na sustentabilidade e refletir sobre como essa informação chegou a você. É muito provável que as campanhas de marketing sejam sua fonte de informação.

A expressão greenwashing vem do inglês e significa “branqueamento ecológico”. Na prática, é a tentativa das empresas em passar à comunidade a imagem de uma organização preocupada com a sustentabilidade, o meio ambiente e a sociedade. Mesmo não sendo uma demanda obrigatória, o desenvolvimento de ações na área tem deixado de ser um diferencial e está crescendo no Brasil. As campanhas de comunicação passaram a ser a principal forma de divulgar os projetos aos seus clientes.

“O problema é que 90% do que as empresas falam não passam de marketing”, alerta a consultora Julianna Antunes, da Agência de Sustentabilidade, organização que trabalha o tema com foco na área corporativa. Ela explica que isso acontece porque a sustentabilidade é encarada pelas empresas apenas como uma iniciativa isolada, sem fazer parte de toda a cadeia produtiva e do planejamento estratégico das organizações. Na avaliação da consultora, a abordagem do tema é ainda uma espécie de “cala a boca” para a sociedade, em que as empresas realizam projetos pontuais na área para tentar cumprir com seu papel, porém seguem agredindo o meio ambiente em seu dia a dia.

Mais do que um simples projeto, a sustentabilidade passa pela gestão das empresas, escolha de fornecedores, realização de processos internos, concepção de produtos, relacionamento com o público e outros aspectos, tentando ao máximo minimizar os impactos no tripé economia, sociedade e meio am­­biente. “A empresa precisa se antecipar a essas questões, e a resposta daquilo que se faz com pro-atividade para minimizar os impactos gera uma série de lucros. Além disso, interfere na reputação perante a sociedade e no mercado financeiro, o que favorece a longevidade do negócio”, completa Julianna.

Como exemplo, ela cita a mudança de postura na conquista de novos mercados. Ao invés de incentivar o consumo irresponsável das classes A e B – que já têm acesso aos bens e aos produtos, que podem ser descartados com mais facilidade –, é válido focar os negócios para a classe média emergente, que está ávida pelo consumo.

Efeito borboleta
A perspectiva de que os benefícios em investir na área se estendem a todos os envolvidos no processo ainda não é comum aos empresários. “A sustentabilidade é um processo que precisa ser executado no todo, mas que também traz benefício para todos”, afirma a pesquisadora do centro de excelência em varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV) Roberta Cardoso. De acordo com ela, a necessidade em modificar todos os processos da empresa é outro fator que dificulta a disseminação da prática. “A proposta é rever toda a forma de gestão da organização, é um desafio muito sério e muito grande”, diz.

Algumas empresas já realizam projetos bem-sucedidos na área. Na rede de supermercados Walmart, a prioridade é o relacionamento com os fornecedores, o tratamento de resíduos e o uso de energia renovável. Para minimizar os impactos, a rede também investiu na criação de produtos próprios, produzidos em parceria com empresas com referência no varejo, como achocolatado, amaciante, curativo, esponja para banho, óleo vegetal e outros. Em uma parceria com a FGV, a empresa lançou um curso on-line gratuito sobre sustentabilidade. A proposta é disseminar o conceito e esclarecer sobre o assunto. Outros dois módulos estão em preparação e ainda devem ser lançados no primeiro semestre deste ano.

No banco HSBC, a sustentabilidade também conta com a colaboração dos funcionários em todas as hierarquias da organização. Eles passam por uma capacitação e são convidados a disseminar o assunto entre os colegas. A superintendente-executiva, Linko Ishibashi, vestiu a camisa da iniciativa. Depois de participar de um treinamento no fim do ano passado, ela criou com sua equipe um time de defensores do meio ambiente que atuam no dia a dia do banco, desde tarefas simples, como apagar as luzes ao deixar o escritório, como a redução na impressão de relatórios e boletos. Além da colaboração com a empresa, Linko percebeu o envolvimento dos funcionários com a causa. “Sentimos orgulho de fazer parte de uma empresa que realmente se preocupa com a sustentabilidade. Além de ficar mais atenta à minha postura dentro e fora do trabalho, também percebo o maior envolvimento dos funcionários com a empresa”, conta.


Blog coloca à prova limites das empresas
Uma das maneiras de verificar a real preocupação das empresas com o meio ambiente é a análise e o cruzamento de informações presentes nos relatórios financeiros e de sustentabilidade. Nesses documentos é possível verificar se todas as iniciativas divulgadas pelo marketing sustentável realmente aconteceram. Enquanto os relatórios de sustentabilidade apresentam o que foi feito na área, a análise financeira pode comprovar se houve ou não investimento nas ações, mostrando se tudo foi colocado em prática.

A curiosidade a respeito da atuação das empresas nesta área levou o comerciante de aviamento Roberto Leite, que mora em São Paulo, a se aprofundar no assunto e entrar em contato direto com as organizações. Sua experiência resultou na criação de um blog chamado Testando os Limites da Sustentabilidade. No espaço, ele publica suas impressões em relação à análise dos documentos e como as empresas reagem para sanar as dúvidas que surgem. A disponibilidade das organizações em manter contato com Leite também serve como parâmetro. “Muitas empresas não estão preparadas para responder sobre sustentabilidade. Já ouvi questionamentos como ‘por que você quer saber isso?’. Outras enviam respostas evasivas e até prepotentes, um desrespeito com a sociedade”, conta.

A escolha das empresas para leitura dos relatórios é feita aleatoriamente, com base no que Leite vê nas campanhas de marketing sobre o assunto. Desde o primeiro post, em setembro de 2010, o blogueiro já entrou em contato com 20 organizações, entre elas empresas grandes e de renome nacional. “Com exceção de algumas empresas, os relatórios apresentam mais frases de impacto vazias ao invés de dados realmente concretos. Por isso resolvi perguntar.” O primeiro passo para testar os limites de sustentabilidade das empresas é feito via Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). Quando Leite não é atendido, passa para assessorias de imprensa chegando ao contato direto com diretores e presidentes das corporações.

O chato
Entre os amigos e conhecidos, o blogueiro é o único a investir nesse tipo de análise e por causa disso chega a ser chamado de chato. Porém, exercendo seu papel de consumidor, ele procura saber se a empresa escolhida é consciente na criação de produtos e serviços. Para isso, ele dá algumas dicas aos outros consumidores interessados. “Não acredite em fotos bonitas de pessoas bem nutridas, abraçando árvores, consumidores sorridentes e as tradicionais fotos de funcionários felizes formando as equipes de alta performance. Ao ver uma propaganda com o tema de sustentabilidade tenha sempre uma frase em mente: Nossa, que trabalho legal! Agora prove”, orienta.


Na prática
As empresas tornam-se sustentáveis quando evitam novas formas de poluição e o uso desnecessário de recursos naturais. Conheça algu­mas ações desejáveis:

Das empresas
- Utilizar materiais recicláveis.
- Investir na eficiência energética, usando fontes renováveis.
- Prever a reciclagem de produtos.
- Utilizar planos inteligentes para rotas de distribuição com percursos menores e rápidos, gerando menos emissão de carbono e consumo de combustível.
- Ter relacionamento coerente com seus públicos – consumidores, colaboradores e fornecedores.
- Investir na sensibilização dos colaboradores para a questão da sustentabilidade no ambiente de trabalho e também fora dele.

Dos funcionáriários
- Evitar imprimir documentos sem necessidade.
- Desligar equipamentos ou luzes quando não estiver no ambiente de trabalho.
- Fazer a seleção do lixo por meio de lixeiras de coleta seletiva.
- Evitar trajetos desnecessários com o uso de carro. Sempre que possível, oferecer ou pegar carona com seus colegas.

Do consumidor
- Estar atento à procedência dos produtos e seus componentes, como substâncias químicas, locais de produção etc.
- Ter olhar crítico às campanhas de marketing realizadas.
- Verificar os relatórios financeiros e de sustentabilidade das empresas.

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