Anvisa propõe a proibição de inibidores de apetite

Audiência pública discute hoje o cancelamento do registro da sibutramina e dos anorexígenos anfetamínicos, que deixariam de ser produzidos e vendidos no Brasil

Gazeta do Povo | 23 de fevereiro de 2011

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) realiza hoje uma audiência pública para discutir o cancelamento do registro de medicamentos inibidores de apetite, como a sibutramina e os anorexígenos anfetamínicos (anfepramona, femproporex e mazindol). O órgão propõe que esses produtos deixem de ser comercializados e fabricados no país. Enquanto a Anvisa diz que os riscos do uso desses medicamentos são maiores que os benefícios, os profissionais defendem que o paciente tenha liberdade de escolha.

As quatro substâncias atuam no sistema nervoso central para inibir o apetite. Caso os registros sejam cancelados, os pacientes ficarão sem nenhum medicamento equivalente. Apenas o orlistate será liberado, princípio ativo do Xenical, que tem uma ação diferente: interfere na absorção de gorduras a partir do bloqueio de uma enzima do pâncreas.

Entre as quatro substâncias, a anfepramona foi a mais consumida no Brasil em 2009: 3 toneladas, segundo informações repassadas por 38,5 mil estabelecimentos farmacêuticos ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), que representam 62% da rede de farmácias naquele ano. Em seguida apareceu a sibutramina, com 1,8 tonelada. Nas farmácias paranaenses, a sibutramina ocupa o primeiro lugar entre esses medicamentos, com a dose diária de 4,5 miligramas a cada mil habitantes. O índice é maior do que a média nacional, de 2,78 miligramas por mil habitantes/dia. O levantamento não apresenta as quantidades consumidas por estado.

Riscos e mercado negro
Segundo estudos da Anvisa, os anfetamínicos oferecem riscos aos pulmões e ao sistema nervoso central. Já a sibutramina afetaria o sistema cardiovascular. “Mesmo se prescritos dentro das doses recomendadas, a avaliação apontou baixa eficácia a longo prazo e com muitos eventos adversos graves. No binômio benefício e risco, os riscos são superiores”, garante a chefe do Núcleo de Investigação em Vigilância Sanitária da Anvisa, Maria Eugênia Cury. Ela defende a realização de um plano de manejo da obesidade, com atenção ao problema e seus possíveis desdobramentos.

Os defensores do uso desses medicamentos consideram a proibição uma medida radical e pedem mais fiscalização das prescrições e do consumo. Hoje, as receitas contendo estes produtos ficam retidas nas farmácias e a venda é informada à Anvisa, o que já ajudou a reduzir a comercialização. Um dos receios é que, com a proibição, aumente a recorrência de problemas causados pela obesidade.

Outra preocupação é com o possível fortalecimento do mercado negro desses produtos. “No mercado clandestino os pacientes não terão o controle médico nem farmacêutico. Aí sim perderemos o controle”, analisa a presidente nacional da Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag), Maria do Carmo Garcez. “Qualquer produto tem riscos e benefícios. Os efeitos colaterais dos inibidores de apetite já são conhecidos e eles são prescritos de acordo com a avaliação médica. O grande risco é o paciente ficar sem nenhum medicamento.”

Ela lembra o caso dos pacientes com obesidade mórbida, que poderão sofrer sem esses medicamentos. Nos casos em que a cirurgia bariátrica não é indicada e a dieta não surte os efeitos necessários, a solução é o inibidor de apetite. Além disso, há uma série de consequências da obesidade, que podem levar à diabete e à hipertensão, além de aumentar os riscos de problemas cardiovasculares e de índices de colesterol elevados.


Substâncias são prescritas por médicos de outras áreas
Não são apenas profissionais da nutrologia ou da endocrinologia que receitam inibidores de apetite. Segundo informações repassadas por estabelecimentos farmacêuticos ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), da Anvisa, entre os profissionais que receitaram sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol no ano passado estão especialistas em medicina de tráfego, ginecologistas, dermatologistas e pediatras.

Pela lei, qualquer médico pode receitar medicamentos. Segundo a Anvisa, no entanto, a prescrição indiscriminada é uma realidade. “Uma possibilidade seria determinar que apenas alguma classe médica pode receitar essa medicação”, sugere a endocrinologista Mônica Biase Wright Kastrup, da câmara técnica de controle de medicamentos do Conselho Regional de Medicina do Paraná.

A analista fiscal Fernanda Sabino de Melo, 29 anos, consome inibidores de apetite há oito anos, seguindo as orientações de um endocrinologista. Ela pesava 57 quilos e se “achava gorda”. Os efeitos colaterais a fizeram interromper o consumo algumas vezes e ela chegou a pesar 20 quilos a mais. “É preciso se comprometer com o tratamento. O medicamento tem o efeito de fazer a pessoa ‘murchar’, com isso ela se ilude e se satisfaz, parando de tomar o remédio, e volta a se alimentar.”

Fer­nanda incorpora ao tratamento a sibutramina, comprada de forma clandestina. Com a possibilidade da proibição, ela diz que continuará a recorrer ao mercado clandestino. “Paro de tomar o medicamento receitado, mas continuo comprando a sibutramina.”

O primeiro secretário do Conselho Federal de Medicina, Desiré Callegari, defende campanhas entre os profissionais. “O prescritor deve agir de forma ética e abolir o uso indiscriminado.”

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