“O homem não é mais violento do que a mulher”

Rejane Aparecida Alves, fisioterapeuta e sanitarista

Gazeta do Povo | 21 de maio de 2011

Apesar dos índices que envolvem os homens em casos de violência – tanto na condição de vítimas como de agressores –, a afirmação de que eles são mais violentos que as mulheres não é correta, principalmente quando se leva em consideração o contexto em que os casos acontecem. Foi a essa conclusão que chegou a fisioterapeuta e sanitarista Rejane Aparecida Alves durante a produção da tese de mestrado As múltiplas e complexas faces da saúde do homem – um estudo da violência em Ribeirão das Neves (MG), pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ela ressalta que a violência é consequência das relações humanas, sem relação com o sexo. “Reduzir a violência ao gênero é muito pouco”, critica.

Qual foi o objetivo da pesquisa?
A proposta inicial era fazer um estudo sobre a saúde do homem e a relação com a violência, isto porque a violência é o maior agravo para a saúde do homem. Porém eu e minha orientadora percebemos que alguns estudos eram fundamentados apenas em estatísticas e nos estereótipos culturais de masculinidade, o que dá o entendimento de que o homem é mais violento que a mulher. De fato, as estatísticas são altas, a taxa de homicídios envolvendo homens é 12 vezes maior que as mulheres, de acordo com dados de 2007 do Ministério da Saúde. Mas discordamos que o homem é mais violento do que a mulher.

O que o estudo revelou?
A violência não é uma questão de gênero, mas causada por um contexto. Eu pergunto “Qual é o conceito de violência?” É um conceito muito amplo, que depende de múltiplas e complexas causas. Para conhecer realmente os dados sobre o assunto, não podemos nos basear apenas no resultado final das estatísticas, mas no contexto, além do consenso de que o homem é mais violento que a mulher.

Ambos os gêneros são vulneráveis à violência, tanto na condição de vítimas como de agressores. O que define o papel de cada um são as relações de poder. A mulher também exerce violência, que é determinada pelo papel social que ela exerce. Se ela tem um papel mais forte no domicílio, por exemplo, a questão da violência acontece no ambiente familiar, em que as vítimas em potencial são as crianças. Mesmo que saibamos do processo de mudança no papel da sociedade, o modelo cultural patriarcal ainda é muito forte nesta questão.

Então violência exercida pelas mulheres é diferente da cometida por homens?
A maior habilidade do homem é a força. É óbvio que ele é biologicamente mais forte. Em contrapartida a mulher tem mais habilidade na violência verbal. É uma prática de violência mais simbólica, o que não significa que ela não pratique e que faça isso contra alguém que tenha força menor que a dela ou contra seus pares. Mas isso também não exime a mulher da violência física.

Como a pesquisa foi feita?
Fiz um estudo qualitativo, com grupos focais na cidade de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais, que registra altos índices de violência. Promovi 30 grupos de discussões, com pessoas dos dois sexos e com a faixa etária entre 10 e mais de 60 anos, para realmente identificar as diversas faces da violência. Toda a análise foi fundamentada na teoria de Hannah Arendt, pesquisadora que afirma a violência é consequência das relações humanas, independente do sexo.

Quais as situações encontradas nos grupos focais?
Constatamos que muitos dos homicídios praticados por homens são mandados por mulheres. Pode ser que eles tenham realizado, mas foram pagos por uma mulher. Também verificamos que a mulher se envolve mais na violência simbólica, principalmente como autora. Em muitos casos em que o homem cometeu o ato de violência contra a mulher, foi antes vítima da violência simbólica.

O que é preciso, então, para as análises dos dados sobre violência entre gêneros?
Temos que relativizar. Não desconsidero que os homens se envolvem intimamente com a violência, mas não são só eles. Não se pode dizer que a violência é coisa de homem, não é, mas dada pela condição humana. Cada um possui um perfil diferente, acarretado pela posição de dominação. A violência tem faces que não se traduzem em números, mas no contexto social e para saber quais são eles é preciso ir até as comunidades, perguntar para as pessoas.


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