Carli Filho pode voltar a dirigir se quiser

Ex-deputado acusado pela morte de duas pessoas em um acidente já tem o direito de recuperar a habilitação. Mas isso está certo?

Gazeta do Povo | 04 de abril de 2011

Após cumprir o período de suspensão da carteira de habilitação, o ex-deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho poderia voltar a dirigir se quisesse. Para isso, bastaria entrar com um pedido no Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR) e fazer um curso de reciclagem, conforme determina o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Segundo o Detran-PR, não existe mais nada que impeça Carli Filho de dirigir.

Carli Filho se envolveu em um acidente de trânsito na madrugada do dia 7 de maio de 2009, que culminou com as mortes de Gilmar Rafael Souza Yared, de 26 anos, e Carlos Murilo de Almeida, 20 anos. O ex-deputado estaria em alta velocidade e embriagado. Ele responde a um processo na Justiça por duplo homicídio com dolo eventual, quando o acusado assume o risco de matar. Em janeiro passado, a Justiça decidiu que Carli Filho irá a júri popular pelo crime ao qual é acusado.

Diante disso, fica a pergunta: como alguém suspeito de causar um acidente tão grave pode voltar a guiar um carro antes da decisão final da Justiça? Segundo especialistas, o processo administrativo caminha em separado da ação judicial e um não interfere no andamento do outro. O fato de um motorista responder por um crime de trânsito na Justiça não interfere nos procedimentos do Detran para a devolução da habilitação após o período de suspensão.

Apesar da gravidade do acidente de Carli Filho, a suspensão da carteira dele não foi determinada pela colisão, mas pelas 30 multas aplicadas ao longo de seis anos e que geraram um acúmulo de 130 pontos na habilitação. “O Detran não pode ser acusado de negligência. Ele cumpriu sua parte”, afirma o presidente da Comissão de Trânsito da seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Marcelo Araújo.

Ele explica que, após a vigência da punição, apenas o Judiciário pode determinar a suspensão imediata da habilitação como uma medida cautelar prevista no artigo 294 do Código de Trânsito. Isso, no caso do ex-deputado, não ocorreu. Caso estivesse com a carteira regularizada e com condições físicas adequadas para dirigir no dia seguinte ao acidente, o ex-deputado poderia ter feito isso sem qualquer impedimento.

Legislação
Não existem alternativas à suspensão da carteira além do período determinado pela lei. Ao final da punição, o motorista tem direito de reaver sua habilitação. Mas se cometer uma nova infração grave ou gravíssima no período de 24 meses recebe a penalidade em dobro e pode ainda ter a carteira de motorista cassada.

“É a lei de trânsito. Paralela­mente a isso, o acusado é julgado pelo Código Penal e quando o processo é concluído ele pode ser considerado culpado e aí sim ter a carteira de motorista cassada”, afirma o professor doutor do Departa­mento de Geotécnica e Transportes da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Uni­versidade Estadual de Campinas (Unicamp), Diogenes Costa, que prefere não opinar sobre a eficácia ou não da lei.

Para Araújo, da OAB, o procedimento determinado pelo Código de Trânsito não significa que a legislação é leve e não pune os acusados de crimes de trânsito. Pelo contrário, é uma oportunidade de “evitar uma decisão precipitada”. “Esta legislação respeita o estado de direito, que é uma conquista em relação ao código anterior editado na época do regime militar”, analisa. Ele define a medida como um “grande direito de defesa até a decisão final” pelo Judiciário.

Na avaliação do jurista Luiz Flávio Gomes, a suspensão da habilitação pelo período de um ano é uma pena dura. Mas, para ele, a sensação de impunidade em episódios como o de Carli Filho é decorrente mais da demora em julgar e penalizar os culpados pelos crimes de trânsito do que da possibilidade do acusado voltar a dirigir normalmente. “O processo administrativo tem prazo para acabar, mas o criminal tem a possibilidade de recursos, o que demora. Além disso, a Justiça tem uma taxa de congestionamento de 71%. A cada 100 processos, 71 não são julgados e ficam para o próximo ano”, critica.


Autuação só na hora da infração
Depoimentos de testemunhas ou confissões de acusados não são subsídios suficientes para que uma autuação de trânsito seja efetivada. O presidente da Comissão de Trânsito da seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcelo Araújo, explica que em casos de acidentes, este procedimento não pode ser retroativo, ou seja, precisa acontecer durante o atendimento à ocorrência pelo próprio agente de trânsito. “Muitas vezes pessoas machucadas não são autuadas porque são levadas para o atendimento médico antes da chegada da polícia”, diz.

De acordo com Araújo, o policial não pode opinar sobre os casos que atende e os boletins de ocorrência também não são determinantes para comprovar a culpa de algum acusado. Eles fazem parte das provas e trazem elementos de como ficou a situação do acidente e o que aparentemente aconteceu de acordo com os relatos dos envolvidos.

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