Recurso que cai do céu

Você já pensou em aproveitar a água da chuva para lavar seu carro ou regar as plantas?

Revista Atitude Sustentável | 03 |

Todos os dias, às 6h30, a empresa onde o gerente de logística Ronaldo Gugelmin Pereira Jorge trabalha tem seu jardim irrigado. São mais de três mil metros quadrados de área, que consomem por mês cerca de 85 mil litros de água apenas para irrigação. Este sistema é automático, mas não é a principal novidade no local.

No fim do mês, os 85 mil litros de água utilizada para a irrigação dos jardins não pesam nas contas da empresa. Isso porque a água “cai do céu”. Isso mesmo, ela vem de graça! “Já projetamos esta nova sede da empresa para ter um sistema de aproveitamento de água da chuva”, conta. O telhado da construção, com oito mil metros quadrados de área, é especialmente canalizado para receber a água da chuva, que é direcionada a cisternas para o armazenamento.

“O sistema é tão simples que nem lembramos mais que ele existe, funciona muito bem. Além disso, as pessoas gostam de saber que temos este sistema na empresa e que aproveitamos os recursos; é muito saudável.” Na ponta do lápis, a economia que a empresa faz por mês com o aproveitamento da água da chuva passa dos 300 reais, de acordo com as tarifas da concessionária local. Em apenas alguns meses este valor cobriu os investimentos feitos para a compra e instalação do sistema, que no montante total da obra fez pouca diferença.

A economia financeira, no entanto, é apenas um dos benefícios que o aproveitamento da água da chuva traz. Com a utilização deste recurso que chega de graça, alcança-se uma série de efeitos positivos para o meio ambiente. “Aproveitando-se ou não a chuva, armazená-la é indispensável para conter e, sobretudo, não piorar os efeitos da impermeabilização urbana”, ressalta Jack Sickermann, do Consórcio da Chuva 3P Technik / Acquasave, que trabalha com soluções para o manejo sustentável das águas pluviais. Armazenada nas cisternas, a água da chuva demora mais tempo para chegar ao sistema de drenagem, que fica sobrecarregado em ocasiões de temporais, por exemplo.

“É atitude sustentável básica utilizar o que ‘está à mão’ e a chuva é algo que cai sobre as nossas cabeças, daí é tão elementar como aquecer a água do banho com a força do sol. Isto sem falar dos imensos custos para tornar potável a água dos nossos rios poluídos e trazê-la de distâncias cada vez maiores. Imagine a energia necessária para acionar elevatórias, bombas etc”, complementa.
Para o engenheiro civil Plinio Tomaz, o aproveitamento da água da chuva possibilita também melhor distribuição dos recursos hídricos, uma vez que a água disponibilizada pelas concessionárias não é desperdiçada e pode chegar a comunidades que ainda sofrem com problemas de abastecimento. “Na descarga, as pessoas utilizam água da concessionária, que vem com flúor, mas o banheiro não tem dentes. Podemos usar a água da chuva e outras pessoas podem usar a água potável”, brinca.

Nos países da Europa, a utilização deste recurso já é comum, mas no Brasil estes sistemas ainda são aproveitados de forma discreta. De acordo com Jack, enquanto na Alemanha a média é de 100 mil instalações do sistema por ano, no Brasil o índice anual é de apenas cinco mil. Para Plínio, o aproveitamento da água da chuva é uma necessidade do mundo moderno. “Temos quatro paradigmas em relação a água: a água das superfícies (os rios e os lagos), a água subterrânea, o reuso de esgotos e a água da chuva. O mundo moderno tem que usar estes quatro paradigmas”, afirma. “Cada vez mais os municípios estão indo nesta direção. A arquitetura também irá se adequar ainda mais a estas necessidades”, complementa Jack. Quem utiliza este sistema passa a ter uma preocupação maior com o consumo dos recursos naturais e percebe que iniciativas como esta fazem a diferença.


Aproveitando cada pingo
Toda a instalação do sistema deve ser realizada por profissionais especializados na área, que irão montar o projeto de acordo com o índice pluviométrico da região, com a capacidade de captação do telhado e com a finalidade para que a água será utilizada. Isto irá definir toda a estrutura do sistema, inclusive o tamanho da cisterna que irá armazenar a água. “A norma deu coragem para a instalação do sistema. Sem a norma era um perigo, pois eram feitas muitas coisas erradas, que trazem problemas para a vida das pessoas”, avalia Plínio.

Em casas já construídas, a adaptação para o sistema pode ser mais simples, sem causar muitos danos à estrutura. A opção é instalar a tubulação que liga a água da chuva à cisterna na parte externa da casa. “Quando houver a necessidade de uma reforma maior pode aproveitar e instalar o sistema completo. Se ainda assim o interessado ainda não tiver condições de instalar todo o sistema, existe a possibilidade de deixar a tubulação já pronta, para depois não interferir nas paredes”, recomenda Jack.

E se parar de chover? O sistema continua funcionando normalmente durante períodos de estiagem até que toda a água armazenada seja utilizada. Quando o nível de água da chuva fica baixo, ela é substituída pela água da rede pública.

Fazendo as contas
Cerca de 50% da água utilizada nas casas é destinada para fins não potáveis. Com a utilização da água da chuva, a economia da água fornecida pelas concessionárias pode variar entre 30 e 50%. Em estabelecimentos comerciais e indústrias, a economia é ainda maior devido ao volume de água utilizado mensalmente.

Os especialistas afirmam que a instalação de um sistema de aproveitamento da água da chuva é mais rentável para casas maiores, com mais de 200 metros quadrados de área construída. Construções pequenas, com aproximadamente 50 metros quadrados, tendem a ter baixo consumo de água, o que em muitos casos é subsidiado pelas concessionárias. A taxa de subsídio vai até o consumo de dez metros cúbicos por mês.

O custo do sistema, previsto para casas com 150 a 300 metros quadrados, varia entre 5 e 7 mil reais. O valor inclui as calhas, tubos para captação, cisternas para armazenamento e tubulação para o direcionamento da água. O retorno do investimento, de acordo com os fabricantes, demora em média cerca de três anos nas residências e no máximo o mesmo período em indústrias e comércios. Na área de um metro quadrado, a captação de um milímetro de chuva corresponde a um litro de água.

Para a empresária Hilda Cherobim, a meta é chegar à redução de 50% no consumo de água. Ela instalou o sistema de aproveitamento de água da chuva durante a construção da casa e investiu 1,8% do valor total da obra para a estrutura, o que não considera um valor elevado. Nos dois primeiros meses em que está morando na casa ela já sente a diferença no consumo. A água da chuva é utilizada para a descarga nos vasos sanitários, irrigação do jardim, limpeza dos pisos e do carro.

A redução no consumo, no entanto, não foi o único objetivo da instalação do sistema na casa de Hilda. “Fizemos isso pensando no futuro, em contribuir para a sustentabilidade. Temos que pensar também no outro lado”, afirma. Ela conta que antes de utilizar a água da chuva sentia-se envergonhada por utilizar a água da rede pública. “Não tinha mais coragem de pegar na mangueira para lavar o carro e molhar as plantas. Agora estou tranquila”. Em casa, os filhos da empresária também gostaram do novo sistema. Além de contarem na escola as iniciativas sustentáveis que têm em casa, aproveitam a irrigação para regar as plantas do jardim.


Sistema que vem da antiguidade
O engenheiro Plinio Tomaz conta que o aproveitamento da água da chuva é feito desde a Antiguidade. Na região de Israel a pedra Mohabita, de 830 a.C., trazia determinações do rei Mesa sobre a construção de cisternas. A Fortaleza dos Templários, em Portugal, de 1160 d.C., já era abastecida com a água da chuva.

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