Discalculia não é preguiça


O distúrbio, que afeta entre 3% e 6% da população, é associado à dificuldade de aprendizagem do cálculo e dos significados dos números

Gazeta do Povo | 24 de agosto de 2011

A dificuldade em desenvolver cálculos ou entender os significados dos números pode representar algo que vai além da falta de habilidade com a matemática. Em aproximadamente 3% a 6% da população este quadro caracteriza a discalculia, distúrbio que afeta o aprendizado e o desenvolvimento de informações relacionadas à matemática.

Problemas para comparar quantidades, má utilização dos números ou dificuldades na leitura dos símbolos matemáticos são algumas das características da discalculia. Até mesmo a solução do clássico problema “João tem cinco balas e ganhou mais três. Com quantas balas ficou?” torna-se extremamente difícil no aprendizado da soma. “A discalculia é associada às dificuldades específicas no processo da aprendizagem do cálculo, que se observam entre indivíduos de inteligência normal”, explica a presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Quézia Bombonatto.

O distúrbio ocorre pela ausência de neurônios ou falta de junção entre eles na área terciária do córtex cerebral, que engloba os lobos parietal, temporal e occipital, responsáveis pelo processamento do raciocínio matemático e pela noção de tempo e espaço. Apesar do baixo desempenho em matemática, os discalcúlicos podem apresentar excelentes resultados em diferentes áreas.

Os primeiros sinais da discalculia podem aparecer antes mesmo da entrada na escola, mas é na sala de aula que a situação se complica, quando surgem as dificuldades e, muitas vezes, o preconceito contra o discalcúlico. “O quadro não é explícito e acaba confundido o discalcúlico com um aluno preguiçoso. Dessa forma, tentam forçar a situação, que se torna mais agressiva para a criança. A demora no diagnóstico também acontece porque muitos acham que a dificuldade vai passar naturalmente com o amadurecimento do estudante”, avalia o psicólogo e mestre em educação, Leandro Kruszielski.

Apesar dos indícios, o diagnóstico nem sempre é simples e depende de teste com especialistas. Para o neuropsicólogo Egídio Romanelli, além de prejudicar o tratamento, a falta do diagnóstico pode causar no estudante um “bloqueio para encontrar saídas à discalculia e seguir com uma vida normal.” “Na maior parte dos casos dizem que a criança é burra e não investigam a situação”, afirma.

Na pele
O estudante Antônio (nome fictício), de 15 anos, ainda se recorda do preconceito que sofria na escola pelo seu desempenho em matemática. Desde os 6 anos de idade, quando cursava as séries iniciais do ensino fundamental, sua dificuldade em efetuar cálculos de soma e subtração fez com que ele tivesse poucos amigos. “Me sentia excluído da sala por ser o único que não aprendia muito e passava vergonha porque não sabia responder os exercícios”, lembra.

A partir da quarta série, ele passou a frequentar o Centro de Neuropediatria do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e desde então conta com um acompanhamento especializado.

No tratamento, Antônio realiza as tarefas da escola com a orientação da psicopedagoga Raquel Pinto de Oliveira, que trabalha os exercícios de acordo com as potencialidades do adolescente. “Usa­mos o lado da inteligência que é preservado”, explica a psicopedagoga, que nestes casos defende a repetição dos exercícios para a fixação do conteúdo. “Muitos professores não gostam de repetições, mas já está demonstrado que o alto desempenho em matemática faz muito o uso do recurso da memória”, diz.

Em muitos casos, o uso de calculadoras e computadores torna-se um aliado no desempenho do estudante. Para Antônio, que está na oitava série, o tratamento foi primordial para sua autoestima e o desempenho na escola. “Agora me sinto bem melhor do que antes, facilitou bastante.”

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